Respeitar a vida privada de um príncipe?

Por vezes, o interesse do público coincide com o interesse público.

A condenação pelos tribunais franceses da revista Paris-Match pela publicação de fotografias e textos sobre a vida privada do príncipe Alberto do Mónaco foi considerada definitivamente uma violação da liberdade de expressão europeia. Quem o assim decidiu foi, por unanimidade, a Grande Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no passado dia 10 no caso Couderc e Hachette Filipacchi Associés contra França.

O caso remonta a 2005 e à publicação pela Paris-Match na sequência de outras publicações o terem feito e apesar de ter sido intimada judicialmente para não o fazer, de fotografias e de textos sobre Príncipe Alberto e um seu filho fora do casamento, com uma entrevista com a mãe da criança.

A factualidade em si mesma não estava muito em causa. Na verdade, existia o filho que até tinha sido reconhecido legalmente, recebendo diversos apoios financeiros do príncipe Alberto, seu pai, através de empresas ou instituições monagascas, nomeadamente para a sua educação e habitação. As fotografias que mostravam o filho bebé ao colo do príncipe Alberto eram verdadeiras.

O problema sobre que se debruçaram, essencialmente, as diversas instâncias judiciais francesas e europeias não foi, pois, saber da maior ou menor correspondência entre o que fora noticiado e a factualidade provada.

Sendo certo que, como é evidente e é jurisprudência do TEDH, a verdade e o rigor jornalístico exigíveis em matéria de factos constantes de uma notícia, não podem ser, com toda a certeza, a mesma verdade e rigor de uma sentença pronunciada anos depois dos factos noticiados, após uma exaustiva investigação e julgamento.

O que esteve em causa, ao longo das diversas instâncias judiciais, não foi, assim, a verdade ou falsidade das notícias da Paris-Match mas sim saber se aquilo que as fotografias retratavam e aquilo que se afirmava nos textos tinha relevância pública, no sentido de contribuir de uma forma minimamente relevante para o debate público.

Defendia o príncipe, que as fotografias em que aparecia com um bebé ao colo ou ao lado da mãe da criança faziam parte da sua vida privada. Tal como os factos revelados nos textos relativos ao seu relacionamento com a mãe da criança. Privacidade que, no seu entender, devia ser protegida face às investidas da comunicação social.

Mas as figuras públicas – um conceito algo indefinido mas que cobre seguramente o príncipe do Mónaco – exactamente porque atingiram ou têm esse privilégio de existirem publicamente da forma como existem, graças, em grande parte, aos meios de comunicação social têm também de pagar um preço: uma maior exposição das suas vidas, aceitando a entrada na arena pública de factos da sua vida privada.

Este “contrato” é mais evidente quando estão em causa figuras públicas políticas, nomeadamente os eleitos e os governantes ou figuras do Estado. Não é por acaso que, no nosso país, há uma lei intitulada “Controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos”: as declarações de património obrigatório são, como é evidente, uma intrusão na vida privada mas justificada pelas funções públicas exercidas. Ninguém porá em causa essa diminuição do âmbito da privacidade protegida.

Mas neste caso concreto o facto de ser uma figura pública, como o era o príncipe Alberto, justificava, por si só, que fossem publicadas fotografias familiares não destinadas a publicação e revelados factos que se prendiam com sua vida íntima e familiar?

Os tribunais franceses entenderam que não havia justificação para a publicação e condenaram a revista Paris-Match a pagar 50.000 euros de indemnização ao príncipe Alberto por violação da sua vida privada. Mas a Paris-Match viajou até Estrasburgo e outro foi o entendimento do TEDH, tanto quando decidiu pela primeira vez em 12 de Junho de 2014 como agora reunido em Grande Câmara a pedido da França: a liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem protegia a publicação pelo Paris-Match da informação em causa.

Em primeiro lugar porque a notícia não falava só da vida privada do príncipe mas também da criança e da mãe e era esta, que tinha a guarda da criança, a quem competia decidir o que era privado ou público das suas vidas, mas, para além disso o facto de as funções do príncipe Alberto enquanto chefe do Estado monagasco serem de natureza hereditária tornavam particularmente relevante em termos públicos a existência de um filho anterior ao casamento.

Para o TEDH – reunido em Grande Câmara com 17 juízes presentes - não houve dúvidas pelo que a decisão foi tomada por unanimidade, confirmando a anterior decisão: a França, ao condenar a revista Paris-Match pela publicação das informações em causa, violara a liberdade de expressão garantida pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

 

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