Os braços para arrumar o tribunal vieram da prisão

No Porto, uma equipa de reclusos arruma processo e móveis.

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Adriano Miranda

Quatro reclusos, musculados, saem da carrinha sorridentes e cheios de vontade, manhã cedo, apesar de mais uma vez enfrentarem a porta de um tribunal. Não é uma condenação, porém, que os espera, nem um julgamento, mas dezenas de móveis para arrumar. Presos da cadeia de Santa Cruz do Bispo fizeram ontem as vezes de uma empresa de mudanças no Tribunal de Execução de Penas do Porto.

A tarefa é reorganizar a mobília agora que a reorganização judiciária posta em marcha pelo Governo duplicou o número de secções daquele tribunal, que antes tinha duas e agora passa a ter quatro unidades de processos.

A missão ficou a cargo da brigada de obras da cadeia. Quatro homens vigiados por uma única guarda prisional. Só uma mulher? “E chega. Nós portamo-nos bem”, diz um dos reclusos. Num tribunal que não condena, mas escrutina o cumprimento da pena, o mais importante é a recuperação dos presos.

Os quatro homens, que escaparam à cocaína e à heroína, fazem parte de um projecto de ressocialização, a Unidade Livre de Drogas, criada naquela prisão. Há duas semanas, uma camioneta da Direcção-Geral da Administração da Justiça deixou ali incontáveis peças de mobília usada. Ficou tudo onde foi descarregado. O espaço de destino ainda estava em obras.

“Isto está uma confusão. Ainda diz a senhora ministra que está tudo bem”, critica uma funcionária à passagem dos reclusos que subiam as escadas dos cinco pisos do tribunal. “Ficamos contentes por podermos fazer este serviço. É um dia fora da cadeia”, diz de sorriso aberto Joaquim Castro, 39 anos.

O interior do edifício está pejado de mobiliário e maços de processos, ora nos átrios ora nas escadas. A meta dos reclusos é o quarto piso, que transborda de processos.

Joaquim e Paulo Castro, irmãos de Famalicão, de 39 e 41 anos, foram condenados por tráfico de droga. “Somos irmãos em tudo. Fomos apanhados pela mesma coisa. Andávamos no tráfico juntos. Sempre partilhámos tudo, menos as mulheres”, graceja Joaquim. “Já basta a barracada da reforma judiciária no sistema. Vamos lá meninos”, desafia uma funcionária. Os reclusos respondem com mais um móvel nos braços. A tarefa não é, porém, fácil.

Na equipa está ainda Rui Neto, do Porto, com 41 anos, condenado a quatro anos e meio, por tráfico de droga, e André Rodrigues. Para este último, de 28 anos, a pena foi mais pesada. Resta-lhe cumprir ainda quase metade dos dez anos a que foi condenado por roubo. Roubou o quê? “Tudo que podia. Roubava as lojas todas de arma na mão”, diz André. 

Para além dos 2,50 euros ganhos por um dia de trabalho, os reclusos não escondem um interesse maior. “Veja se escreve uma notícia boa. Uma coisa bonita que o juiz goste de ler. A ver se nos deixa sair mais cedo”, pede um deles. “É claro que isso será tido em conta. Vamos ver”, admite o juiz Ramos da Fonseca.

“Os reclusos estão aqui graças a um protocolo com a cadeia através do qual já nos ajudaram em 2013 quando o tribunal mudou de instalações. Se não fossem eles agora, teríamos de esperar mais uma semana por uma empresa de mudanças”, diz o magistrado.

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