Regulador da saúde analisa doentes que trocam hospitais privados por públicos

Secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo, disse "estar preocupado" com a situação, prometendo "para breve regras que definam, com transparência e equidade, o acesso destes utentes que vêm do sector privado".

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Presidente do Instituto Português de Oncologia de Lisboa avisou que hospital “está a trabalhar no limite das suas capacidades” GONCALO PORTUGUES

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) recebeu já vários casos de doentes de estabelecimentos privados que chegam aos hospitais públicos, a meio de tratamentos, por terem esgotado os plafonds dos seguros. Mas está agora a analisar um pedido concreto do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa que solicitou àquela entidade que se pronunciasse sobre o procedimento a seguir quando doentes com cancro tratados em hospitais privados ficam sem dinheiro ou esgotam o plafond do seguro e são obrigados a ir para unidades do Serviço Nacional de Saúde.

Em entrevista à TSF nesta terça-feira, o secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo, disse "estar preocupado" com a situação, salientando que os "doentes não podem ser prejudicados" e, prometendo "para breve regras que definam, com transparência e equidade, o acesso destes utentes que vêm do sector privado", cita a Lusa.

"Estamos preocupados. Temos estado atentos, através da entidade reguladora, que tem aqui funções e responsabilidades muito específicas, e também temos de discutir com a Ordem dos Médicos porque também aqui do lado dos médicos, (...) temos de perceber qual é a informação que é dada aos doentes nalguns privados e o grau de compromisso que é assumido, de modo a percebermos se a relação médico-doente não está a ser colocada em causa nesta abordagem", adiantou.

De acordo com Fernando Araújo, todos os hospitais estão a ser confrontados com casos de doentes que chegam a meio de tratamentos dos hospitais privados por terem atingido os limites dos plafonds dos seguros de saúde, nomeadamente em casos de oncologia e outros relacionados com patologias com tratamentos mais caros.

"É transversal a todos os hospitais. Fala-se muito em oncologia, mas temos outras patologias com terapêuticas mais dispendiosas. Temos de ter uma abordagem transversal neste âmbito. O doente não pode ser o prejudicado. Se alguma coisa correu mal neste processo temos que saber porquê, tentar reverter ou impedir novos casos semelhantes, mas não podemos prejudicar o utente", disse.

No entender de Fernando Araújo, os utentes "terão prioridade dentro do nível de tratamento e dentro do tempo que precisam para as diferentes etapas".

"Temos de ter a clara abordagem e a clara informação sobre o que é referido ao doente, o tipo de compromisso assumido, a responsabilidade e perceber no âmbito global do SNS [Serviço Nacional de Saúde] como isto tem de ser tratado com justiça, mas sobretudo com enorme transparência", disse.

Sobre o facto de existirem doentes a passar à frente de outros, o secretário de Estado diz que todos "estão a ser prejudicados". "Prejudicam-nos a todos a começar pelo doente, que eventualmente poderá ter sido mal informado aquando do início do tratamento, que tinha a percepção que ia fazer um tratamento integrado em determinada instituição de saúde e chega a meio e é informado de que não pode continuar lá e tem de ir para outro médico, outra instituição. No caso do doente com uma neoplasia essa sensibilidade e o impacto dessa informação por vezes é dramático", concluiu.

Queixa do IPO

Foi em Agosto que o presidente do conselho de administração do IPO de Lisboa, Francisco Ramos, informou que iria pedir à ERS que se pronunciasse e emitisse mesmo uma orientação sobre o procedimento a seguir nestas situações.

O responsável disse que havia vários problemas que se colocavam às unidades do SNS. No caso específico do IPO de Lisboa, que já “está a trabalhar no limite das suas capacidades”, estas situações podem implicar “o atraso do início do tratamento” dos doentes seguidos no instituto, o que significa a “violação do ordenamento de listas de espera”, argumentou na altura Francisco Ramos.

Contactada pelo PÚBLICO, a ERS diz que ainda não se pronunciou porque aguarda o envio de mais elementos por parte do IPO que já tinham sido solicitados.

Esta questão não é nova e a ERS já analisou diversos casos desta natureza. Em Março de 2011, emitiu uma recomendação em que instava formalmente todos os prestadores privados a respeitarem "integralmente" o direito dos utentes de terem “informação rigorosa, transparente e atempada” sobre os custos dos tratamentos e cuidados de saúde em geral.

Os doentes devem ter uma “previsão de custos correcta sobre a totalidade dos aspectos financeiros, designadamente dos actos clínicos, exames, consumíveis e fármacos”, lia-se na recomendação, que enfatizava a necessidade de eliminar ou reduzir tanto quanto possível "os efeitos de um dos problemas fundamentais em saúde e que se prende com a ‘assimetria de informação’ nas relações entre o prestador e o utente".

Em 2012, a ERS divulgou uma deliberação sobre o caso de uma doente com cancro de mama, metástases e um nódulo num pulmão a quem o hospital privado onde foi seguida ao longo de anos exigiu, a dada altura, o pagamento de mais de 12 mil euros. Neste caso, a ERS considerou que houve "violação dos direitos e interesses" da paciente, designadamente o direito a receber "informação prévia, atempada e clara", o que lhe "coarctou de forma irremediável o direito de acesso aos cuidados de saúde". A ERS emitiu uma instrução ao hospital privado mas o litígio teve de ser resolvido em tribunal.

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