Refugiados internacionais e o SNS

Apelo ao debate sobre a obrigação ética, em equilíbrio com a oportunidade estratégica, de colocar o sistema nacional de saúde português, incluindo o SNS, como uma opção internacional prioritária para acolher e apoiar refugiados internacionais.

Apesar da total alienação dos deputados portugueses ao Parlamento Europeu sobre o tema, este é particularmente relevante na medida do enorme espaço de inovação para Portugal e para o seu sistema de saúde.

Neste contexto, como em relação a outros de interesse nacional para o sector da saúde, apelo ao debate sobre a obrigação ética, em equilíbrio com a oportunidade estratégica, de colocar o sistema nacional de saúde português, incluindo o SNS, como uma opção internacional prioritária para acolher e apoiar refugiados internacionais nas suas necessidades de cuidados de saúde e serviços de prevenção.

Notemos alguns dados. Em 2013, mais de 25.000 crianças iniciaram processos de asilo em 77 países, conforme um recente relatório das Nações Unidas que também indica que o total mundial combinado de refugiados, requerentes de asilo e desalojados, ultrapassou os 50 milhões em Junho de 2014. Trata-se do maior número de refugiados registado desde a Segunda Grande Guerra Mundial. Uma outra análise recente, publicada na revista cientifica The Lancet, clarifica a grandeza do trágico fenómeno em resultado do conflito da Síria. Quase metade do total de refugiados, em sentido lato, são crianças. Há vários milhões à porta da Europa, nomeadamente, 2,8 milhões refugiados da Síria, distribuídos actualmente com enfoque na Turquia, cerca de 500.000, e 1,1 milhão no Líbano. A União Europeia, quiçá em mais um golpe demagógico da equipa da Comissão Europeia cessante, aceitou receber um pequeníssimo número de 30.000 destes refugiados.

Entre os factores que forçam seres humanos a abandonar o seu país, as suas casas e os seus ambientes familiares de conforto incluem-se as mudanças climáticas, o crescimento exponencial da população local, a urbanização, a insegurança alimentar e falta de água. Em paralelo, surgiram os horripilantes “novos negócios” do tráfico humano, tráfico de órgãos e exploração sexual de alguns segmentos destes refugiados.

No relatório das Nações Unidas intitulado Syrian Refugees in Europe: What Europe Can Do to Ensure Protection and Solidarity, de 11 de Julho de 2014, ficamos com uma noção da relação entre as necessidades emergentes a partir deste fenómeno e o mais consolidado discurso internacional sobre as questões da saúde global e respectivos modelos de desenvolvimento da internacionalização dos serviços de saúde. Por outro lado, como argumentado por muitos homens de livre pensamento, a sociedade europeia, envelhecida e com alarmantes taxas de natalidade, pode rejuvenescer-se rapidamente se aceitar integrar uma boa parte dos jovens refugiados de que estamos a falar. Ou seja, apelemos ao reenquadramento do conceito de “cidadão do Mundo”.

Apresentado o contexto de forma sumária, de que forma uma política de saúde inteligente e sensível, para um país como Portugal, poderá desenvolver abordagens e modelos inovadores de adaptação a estas necessidades humanas internacionais? Do ponto de vista do desenvolvimento de serviços de saúde para esta população, atendendo a um excesso de oferta no nosso SNS em áreas que ainda sobrevivem pela indução artificial da procura, que passa despercebida mesmo por baixo do nariz do actual ministro da Saúde, teremos que definir uma combinação estratégica entre as abordagens de gestão “pull” (trazermos mais refugiados de forma sistemática para receberem serviços de saúde em Portugal) e “push” (oferecermos serviços móveis nessa regiões). As vias de financiamento internacional são diversas e incluem fundos europeus e das Nações Unidas, ONG, fundações de direito privado, seguradoras e Governos. Um plano estratégico envolvendo a diplomacia nacional, os Ministérios da Economia, da Saúde e da Solidariedade Social, apoiados num levantamento de capacidade de resposta (pública, privada e social), será o primeiro passo para Portugal apresentar propostas concretas geradoras de diversos factores de competitividade internacional do nosso sector da saúde, que escapam aos limites deste texto. Fica o apelo político.

Director do International Journal of Healthcare Management, Londres

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