Redução da produção no Hospital de Cascais “pode ter-se reflectido no acesso dos utentes”

Auditoria do Tribunal de Contas aos resultados da parceria público-privada destaca efeitos nos tempos de espera e contas negativas da unidade, apesar da prestação positiva em termos de qualidade.

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O Hospital de Cascais funciona em regime de parceria público-privada Rui Gaudêncio

A redução da produção contratada pelo Estado ao Hospital de Cascais “pode ter-se reflectido no acesso dos utentes à prestação de cuidados de saúde”, nomeadamente pelo impacto em termos de tempos de espera para primeiras consultas. A conclusão é de uma auditoria do Tribunal de Contas aos resultados de execução do contrato de gestão desta parceria público-privada, incidindo sobre os anos de 2008 a 2012.

De acordo com o Tribunal de Contas, o Estado contratou em 2012 quase 14.800 episódios de internamento e cirurgia de ambulatório ao Hospital de Cascais, quando no ano anterior tinham sido mais de 16.400, o que representa uma quebra superior a 10%. Os dias de internamento prolongado contratados mantiveram-se de 2011 para 2012, mas as urgências caíram de 131.982 para 124.757, assim como os atendimentos no hospital de dia baixaram mais de 28% para menos de 7000. O campo das consultas externas cresceu, mas em apenas 1,2%, para mais de 110 mil. O numero de doentes que esperam uma primeira consulta aumentou de 6617 (em 2011) para 7141 (em 2012), com um tempo médio de 5,4 para 4,9 meses."Um dos tempos médios de espera mais elevados nos seis hospitais analisados", assinala o TC.

No direito de contraditório, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) relativizou as conclusões do tribunal, contraponto que, por exemplo, o tempo de espera para cirurgias baixou, existindo mais gente a aguardar mas menos dias, e atribuindo alguns dos problemas não ao que foi contratado mas à própria gestão interna do hospital.

Ainda no campo dos indicadores relacionados com os serviços prestados, o Tribunal de Contas destaca pela positiva a prestação do Hospital de Cascais, dizendo que em comparação com outras unidades do Serviço Nacional de Saúde tem um comportamento “idêntico ao do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga” e “apresentou os melhores indicadores ao nível dos doentes saídos por cama, demora média no internamento e qualidade da assistência. Foi também dos que apresentou custos unitários directos das linhas de produção da urgência e do internamento mais baixos, bem como o menor peso das remunerações pagas sob a forma de horas extraordinárias”.

O trabalho do tribunal destaca, ainda assim, vários problemas ao nível das contas do hospital, referindo-se a existência de uma “discrepância” que “denota uma negociação inicial imprudente por parte do parceiro público”. Como exemplo, é salientado que em 2011 os suprimentos, isto é, os empréstimos que o hospital obteve junto do accionista, já tinham atingido quase 20 milhões de euros, quando o máximo a que o accionista estava obrigado era de 13 milhões de euros.

“A HPP Saúde – Parcerias Cascais, S.A., revelou, nos primeiros três anos de actividade, um desequilíbrio estrutural acentuado, patenteado em capitais próprios negativos (…) o que colocou a sociedade na situação de falência técnica”, prossegue o relatório do Tribunal de Contas, que fala em valores negativos na ordem dos 28 milhões em 2010 e 30 milhões em 2011, com uma recuperação para um valor positivo de quase quatro milhões em 2012.

O problema, segundo o Tribunal de Contas, é que esta recuperação em 2012 só foi possível no âmbito do processo de alienação das participações que a Caixa Geral de Depósitos tinha na área da saúde. A medida fazia parte do memorando de entendimento com a troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) e destinava-se a tudo o que não pertencesse às principais áreas de negócio do banco, pelo que incluiu o grupo HPP – Hospitais Privados de Portugal, no qual se incluía a entidade gestora do Hospital de Cascais.

Foi no âmbito deste processo que o accionista decidiu converter os empréstimos dados à unidade em prestações suplementares. “Caso não tivesse ocorrido a operação de alienação, o accionista único teria, eventualmente, que suportar uma operação equivalente para garantir a viabilidade da sociedade gestora do hospital”, diz o tribunal, que questiona o impacto que este perdão de dívida assumida pelo grupo HPP possa ter tido aquando da venda. Porém, no direito de contraditório, a Caixa BI, banco de investimento do grupo Caixa Geral de Depósitos, que detinha o hospital, garantiu que isto “não teve qualquer impacto valorativo na venda da HPP Saúde”.

A contribuir para a pressão nas contas, segundo a auditoria, estão vários factores, desde o aumento das despesas com prestações de serviços às dívidas da ARS de Lisboa à unidade. “A Entidade Pública Contratante/ARSLVT contribuiu para as dificuldades de tesouraria da sociedade, visto ser uma das principais devedoras do Hospital de Cascais, representando, entre 2010 e 2012, cerca de 60% do total da rubrica de clientes”, lê-se no documento, que refere montantes de quase 2,5 milhões em 2011. Já em 2012, 84% da dívida de 3,5 milhões estava em atraso há mais de um ano – com a ARS de Lisboa a defender-se dizendo que falta “apurar se esta dívida corresponde ou não” a valores reconhecidos por esta administração regional.

Derrapagens nas PPP

Há um ano, o Tribunal de Contas já tinha divulgado uma auditoria aos encargos com as parcerias público-privadas (PPP) na área da saúde, concluindo que em relação a quatrro hospitais, entre os quais o de Cascais, não estavam a ser contabilizados cerca de 6000 milhões de euros relativos a 20 anos de serviços clínicos. A análise incidiu sobre os encargos com as parcerias público-privadas (PPP) dos hospitais de Braga, Vila Franca de Xira, Cascais e Loures, bem como as PPP do Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul e do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde.

Foram analisados os encargos no período 2007 a 2012 e sobre aqueles que se prevê ocorrerem até ao final dos contratos em curso: 2013 a 2042. Concretamente sobre o Hospital de Cascais, na altura o Tribunal de Contas já dizia que a diferença entre os valores apurados e os valores previstos era de 16 milhões de euros anuais em 2010 e 2011, resultando a diferença da “existência de encargos adicionais que não haviam sido previstos” – sendo o mais significativo o que corresponde ao tratamento de doentes com VIH/sida em ambulatório, mas também entrando na parcela a despesa com doentes da ADSE. Sobre as infra-estruturas, o relatório dizia que Cascais derrapou 33% em relação ao chamado comparador público, isto é, o valor que o Estado gastaria para a mesma obra.

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