Rede de Cuidadores realça que crimes sexuais não prescrevem na lei da Igreja

Associação que denunciou suspeitas de pedofilia ao Ministério Público critica representantes da Igreja em Portugal que se congratularam com o arquivamento do caso.

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O Ministério Público arquivou os inquéritos por os alegados crimes já terem prescrito Sérgio Azenha

A Associação Rede de Cuidadores emitiu nesta terça-feira um comunicado onde lamenta que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) se tenha congratulado com o arquivamento do inquérito que investigava suspeitas de crimes sexuais envolvendo vários sacerdotes da Diocese de Lisboa e realça que, no Direito Canónico, as leis da Igreja Católica, “não existem prazos de prescrição para crimes desta natureza”.

Actualmente tal não corresponde à realidade, sendo, contudo, muito alargado o prazo de prescrição à luz das normas canónicas: 20 anos após a vítima completar 18 anos de idade.

Numa leitura “atenta do comunicado” do Ministério Público (MP) que ontem anunciou o arquivamento dos autos, a Rede de Cuidadores diz que o MP “não afirma que os alegados crimes não tenham ocorrido”, mas apenas que na data em que ocorreram os factos em causa o Código Penal em vigor “só aceitava a sua denúncia pelas vítimas ou pelos seus legítimos representantes até seis meses após completarem os 16 anos de idade”.

E acrescenta: “Estranha-se por isso (e lamenta-se) que o porta-voz da Conferência Episcopal se congratule com o arquivamento por pessoas concretas terem sido ilibadas apenas... porque a lei aplicável era mais permissiva do que a actualmente em vigor”.

O comunicado assinado pelo presidente da rede, o psiquiatra Álvaro Carvalho, refere-se a uma nota enviada à Agência Ecclesia pelo porta-voz da CEP, Manuel Morujão, sobre o arquivamento do Ministério Público. “Naturalmente que esta notícia me alegra, porque as pessoas e instituições da Igreja que foram visadas nesta inquirição se vêem libertas de graves acusações e reabilitada a sua boa fama”, destaca Manuel Morujão.

O porta-voz continua com um agradecimento: “A Igreja agradece o alto nível de exigência que é habitual no confronto de padres ou leigos que a representam. Essa exigência manifesta o alto conceito que a opinião pública tem dos valores e práticas da Igreja, julgando intolerável que haja casos de contradição. É importante que tal exigência se mantenha, evitando evidentemente tudo o que possa ser especulação ou calúnia”.

O inquérito foi instaurado no final do ano passado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa na sequência de declarações prestadas a alguns órgãos de comunicação social por Catalina Pestana, dirigente da Rede de Cuidadores.

A nota da CEP, divulgada pela Ecclesia, recorda ainda que em Abril de 2012 foram divulgadas um conjunto de directivas para o tratamento de eventuais casos de abusos sexuais de menores. Nesse comunicado, lê-se que a “lei canónica considera, entre os delitos mais graves, o delito contra o sexto mandamento do decálogo cometido por um clérigo com um menor de 18 anos”, de acordo com a versão em vigor, aprovada pelo Papa Bento XVI, em Maio de 2010.

“Tenha-se presente que esse delito, em face do direito canónico, só prescreve 20anos depois de a vítima ter completado os 18 anos de idade”, lê-se. E acrescenta-se: “O abuso sexual de menores envolve pela sua natureza actos que são habitualmente praticados em sigilo ou a coberto de relações de autoridade, nem sempre evidentes e muitas vezes difíceis de detectar. Por isso, deve ser dada especial atenção à ocorrência de sinais ou simples indícios de comportamentos desviantes, que possam suportar comportamentos integráveis em abuso sexual de menores”.

As directivas dizem ainda que, “dada a natureza dos comportamentos em causa e a sua especial gravidade para o desenvolvimento e bem-estar dos menores”, em face de indícios ou evidências da verificação de abuso sexual, devem os responsáveis da instituição canónica em causa “diligenciar de imediato pela cessação desses actos e pela sua punição pelos procedimentos canónicos e legais estabelecidos”.

 

 

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