Reabilitação Urbana: um tímido regime excepcional

O que agora se legislou é tímido, muito tímido mesmo.

A generalidade da comunicação social referiu-se à publicação do Decreto – Lei 53/2014 de 8 de Abril, como um instrumento que facilitará a reabilitação do edificado, por prever a dispensa nas obras de reabilitação urbana, de determinadas normas técnicas mais próprias da construção nova. E, de facto, esta agora estatuída excepção, só não está em vigor há muito tempo, pelas conhecidas (e consentidas) pressões lobbistas de importadores e instaladores de certos equipamentos.

Mas o que agora se legislou, se foi realmente para dinamizar este sector da actividade é tímido, muito tímido mesmo, pois deixa de lado a introdução de algumas outras excepções, tão ou mais importantes que as normas técnicas agora dispensadas. De facto, subsistem em vigor todas as normas do Decreto-Lei 307/ 2009 de 28 de Outubro, republicado em 14 de Agosto de 2012 e entre elas, as que são objectivamente paralisantes da actividade de reabilitação.

Em primeiro lugar, o regime excepcional mantém a possibilidade dos municípios entregarem a gestão das operações de reabilitação urbana a “empresas do sector empresarial local”. (art. 10.º do 307/2009) Pergunta-se porquê? Porque não, por regra, ser o próprio município a gerir as operações? Sendo hoje consensual na sociedade portuguesa, a avaliação negativa do desempenho das ditas empresas municipais, quer ao nível do endividamento acumulado, quer no âmbito da transparência no recrutamento dos seus recursos humanos, não seria uma boa medida concreta de reforma do Estado, que os municípios só pudessem entregar esta gestão a empresas municipais, quando de modo fundamentado, demonstrassem não possuir nos seus quadros, valências e recursos humanos suficientes para as funções em causa? Afinal as empresas municipais dispensáveis são mesmo para extinguir, (porque os municípios podem e — quase sempre — puderam de facto desempenhar o seu objecto) ou são para afinal se manterem com novas incumbências, meramente caucionantes da sua subsistência e consequente peso nas despesas pública, ou seja nos impostos dos cidadãos?

Em segundo lugar, perdeu-se uma boa oportunidade para tornar obrigatório o que no art. 50.º do Decreto-Lei 307/ 2009 é facultativo: A possibilidade da “entidade gestora poder constituir uma comissão de apreciação, composta pelas entidades que, nos termos da lei, devem pronunciar-se” em procedimentos de licenciamento e comunicação prévia de operações urbanísticas ou de autorização de utilização de edifícios.

Esta sim, seria uma medida de grande alcance, se este regime excepcional a tivesse constituído como obrigatória, dispensando o carrocel de pareceres e autorizações em que toda esta actividade se encontra envolvida, com uma miríade de entidades a consultar nominalmente, como sejam as numerosas comissões, organismos, institutos ou autoridades, com prazos de resposta distintos e níveis de desempenho muito diferentes.

Finalmente, a compatibilidade da executoriedade — em condições de excepcionalidade e eficácia como se supõe pretender o legislador — do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana com o Regime da Contratação Pública, ficou por acautelar.

Na verdade, a maior parte dos contratos de empreitada que se vão celebrar para a obras de reabilitação urbana, sê-lo-ão, em termos de procedimento pré-contratual e de execução do contrato, regidas pelo disposto no Código dos Contratos Públicos (CCP). Não cabe no espaço deste artigo, enunciar todos os factores inibidores ou mesmo inexequíveis, que resultarão da sujeição de obras com estas características e nas condições em que se vão realizar (com pessoas a habitar os locais, nomeadamente) às disposições do CCP, sem que algumas delas, sejam também excepcionadas, para este objectivo específico de realizar reabilitação em termos massivos.

Citamos apenas a inadequação completa do regime de obrigação de identificação pré-contratual de erros e omissões (art. 61.º do CCP); dos procedimentos de aprovação e repartição de custos do suprimento de erros e omissões (artigos 376.º a 378.º); ou da percentagem de 10% sobre o preço contratual, como limite máximo para a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões (art. 376.º n.º 4).

São disposições legais mais próprias para a edificação nova e afiguram-se completamente inaplicáveis à actividade de reabilitação de edifícios, e ainda mais na recuperação integrada de grandes zonas habitacionais e habitadas.Como muitas destas normas são de carácter imperativo e não podem ser modificadas por via contratual, o legislador terá (mais uma vez) de voltar a intervir neste enquadramento legislativo, sob pena de começar logo mal, em algo que aposta muito para o relançamento da actividade económica.

Jurista, pós-graduado em Património

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