Que passe o tempo

Esta Primavera é verdadeira. Mas – até por isso – é mais difícil acreditar nela.

Cada Primavera é sempre a primeira. Nunca acreditamos na Primavera sempre espectacular que é esta que invariavelmente acontece à frente dos nossos olhos e das nossas narinas.

Cada Primavera parece viva e boa e espampanante de mais para ser verdade. Mas nunca mente. As borboletas voam e os gatos, sempre avessos às pulsões das multidões, desistem, aliviadíssimos, de fornicar.

Para quem sofre de psoríase, a Primavera é a parte do ano em que as mazelas começam a desmanchar-se. É altura de aplicar o Daivobet. Até as manchas psicossomáticas – a quem dou abusivamente o nome de stigmata – começam a dissolver-se.

O tempo está a mudar não à frente dos nossos olhos mas apesar deles. A falácia é pensarmos que, como observadores, temos o privilégio de assistir a mudanças extra-humanas.

Mentira. A nossa única sorte é estarmos vivos durante um ciclo que provavelmente durará muito mais do que a nossa curta e mísera geração.

Esta Primavera é verdadeira. Mas – até por isso – é mais difícil acreditar nela. A verdade, saudavelmente superficial e apaguizadoramente aprazível, é que a Primavera não nos interessa. Não. Nós queremos é chegar ao Verão.

Queremos é chegar ao Verão curto, efémero e desejadíssimo com que sonhamos desde que acabou o último bom Verão português, na primeira semana de Outubro de 2014.

Quem nos pode culpar? Só nós próprios. São tantas as nossas saudades – até do ano passado – que se tornaram nas mais belas e violentas expectativas.

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