Quatro mil pais agredidos pelos filhos pediram ajuda

Nos nove anos de trabalho em análise, a APAV recebeu um pedido de apoio por dia, de um pai ou de uma mãe (sobretudo de mães).

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Oito em cada dez vítimas são mulheres Barbara Raquel Moreira

As contas são da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV): entre 2004 e 2012 houve 3988 pais agredidos pelos filhos que procuraram ajuda na associação. Na maioria dos casos, não apresentam queixa à polícia, apesar de relatarem crimes graves.

São das situações mais delicadas que chegam à APAV, reconhece Maria Oliveira, assessora técnica da direcção. “É muito complicado um pai ou uma mãe apresentar uma queixa contra um filho”, explica. “E se estamos a falar de pessoas já com uma certa idade, as agressões acontecem, muitas vezes, em contextos de grande dependência física e emocional. Um número residual de pessoas avança com queixa-crime.”

Em média, nos nove anos de trabalho em estudo, a associação recebeu, por dia, pelo menos um pedido de apoio ou uma denúncia relativos a homens e mulheres vítimas dos filhos — sendo que o número de vítimas do sexo feminino (81%) foi sempre, claramente, superior ao número de vítimas do sexo masculino.

A tendência tem sido para um aumento das queixas — e, logo, da abertura de processos de apoio. Em 2012 bateu-se um recorde: 608, contra 299 em 2004.

Nove mil crimes
Estão em causa, em nove anos, mais de nove mil crimes, cometidos por filhos contra os progenitores. Na maior parte dos casos, são relatados pelas vítimas, mas por vezes a denúncia chega porque uma terceira pessoa se envolve e apresenta queixa.

Os maus-tratos fìsicos e os maus-tratos psíquicos são os mais frequentes e representam 60% do total dos crimes relatados. Mas também há casos de ameaças e coacção, de difamação e injúrias, de violação de obrigação de alimentos, de furtos e roubos, de crimes de natureza sexual, entre outros, segundo a análise estatística divulgada na terça-feira com o título Crimes de violência doméstica: filhos que agridem os pais 2004-2012.

O documento surge a propósito do Dia Internacional da Pessoa Idosa, que se assinala nesta quarta-feira — em 2013, a associação apoiou 774 pessoas com 65 ou mais anos (não tendo ainda analisado quantas destas foram vítimas dos filhos). Sendo certo que nem só pais idosos sofrem agressões dos filhos, a análise 2004-2012 mostra que o principal grupo de vítimas é, precisamene, o dos 65 ou mais anos — 40,3% dos casos acompanhados pela APAV.

Deram-se muitos passos na consciencialização da população para o crime de violência doméstica, diz Maria Oliveira. Mas existe ainda um insuficiente conhecimento deste tema específico por parte das vítimas, familiares e prestadores de cuidados. “Começou-se com as mulheres, depois, por causa de uma série de crimes mediáticos, com as crianças. Mas em relação aos crimes contra idosos ainda há um caminho a percorrer. Num prédio, se houver uma mulher a gritar, chama-se a polícia; se houver uma criança a chorar muito já se chama a comissão de protecção... se for um idoso, não se chama ninguém. E há muitos fechados em casas, confinados a um quarto.”

A crise económica potencia os problemas, admite. “O regresso dos idosos a casa dos filhos — filhos que querem ficar com a pensão de reforma dos pais — e os casos dos filhos que colocam os pais em instituições, contra sua vontade”, são situações cada vez mais reportadas.

Os filhos agressores são, maioritariamente, do sexo masculino (71%). E têm entre 26 e 45 anos (42,9% dos casos). Também há, contudo, menores a atacarem os pais — em 5,7% dos casos acompanhados pela APAV nos nove anos analisados.

A APAV tem uma Linha de Apoio à Vítima (com o número 707200077) e presta apoio psicológico, jurídico e social.

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