Quase três anos para julgar a face oculta da corrupção, num megaprocesso que poderá ser anulado

Caso de alegado favorecimento de empresas de Manuel Godinho é decidido nesta sexta-feira. Envolve figuras da política como Armando Vara e José Penedos. Sócrates foi interceptado nas escutas, o que abriu uma polémica.

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Sucateiro de Ovar foi condenado esta quinta-feira pela terceira vez. Adriano Miranda

É um dos mais longos e mediáticos julgamentos de Portugal e conhece nesta sexta-feira a decisão final, no Tribunal de Aveiro. O julgamento do caso Face Oculta arrastou-se quase três anos durante os quais o Ministério Público (MP) procurou demonstrar as ramificações entre o mundo da política e o mundo dos negócios. Tudo numa sala cuja remodelação, para acolher os 36 arguidos, custou 80 mil euros.

Entre o rol de arguidos – que inclui duas empresas - acusados de centenas de crimes de associação criminosa, corrupção, tráfico de influência, furto qualificado, burla, branqueamento de capitais, falsificação e perturbação de arrematação pública, estão figuras bem conhecidas dos portugueses. Armando Vara, ex-ministro do PS e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos é um deles. O também socialista José Penedos, antigo presidente da REN, e o filho, o advogado Paulo Penedos, surgem também entre os acusados. A alegada rede de corrupção teria como objectivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com o Estado e outras entidades privadas. Para Godinho, o MP pede uma pena de prisão efectiva nunca inferior a 16 anos. E a pretensão do MP é que todos os restantes arguideos sejam condenados também.

Nas alegações finais, o MP fez questão de salientar que o Governo de José Sócrates, primeiro-ministro quando a investigação foi desencadeada, sabia das escutas telefónicas que a Polícia Judiciária estava a realizar. "Primeiro, tiveram conhecimento das escutas e, depois, foram averiguando o que é que se passava, até chegarem ao objecto do processo", afirmou então o procurador João Marques Vidal, irmão da actual procuradora-geral da República e filho de José Marques Vidal, que foi director da Polícia Judiciária.

Ainda nas alegações, João Marques Vidal disse também que as buscas e detenções realizadas no âmbito do processo foram adiadas “por causa das eleições de Setembro de 2009”.

Este processo ficou também marcado por uma das mais graves fugas de informação. Foi descoberta pela polícia antes de a comunicação social sequer noticiar a existência do inquérito. Em Junho de 2009, os investigadores constataram que os arguidos que eram alvo de escutas telefónicas tinham alterado substancialmente as suas conversas. A mudança foi notada no dia seguinte a Pinto Monteiro, o procurador-geral da República da altura, ter tido conhecimento da investigação, por causa de uma certidão que envolvia Sócrates como suspeito num alegado crime de atentado ao Estado de direito. O inquérito sobre a fuga de informação foi arquivado.

A polémica que logo se instalou por causa das escutas que interceptaram conversas entre Armando Vara e o então primeiro-ministro José Sócrates continua, e pode até ditar a anulação do processo. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) à data dos factos, Noronha de Nascimento, ordenou a destruição dessas gravações. Entendeu que, nos termos da lei, o chefe do Governo não poderia ter sido alvo de escutas sem a sua autorização, mas há quem discorde.

Para o advogado de Paulo Penedos, Ricardo Sá Fernandes, o processo fica “irreversivelmente inquinado pela ordem de destruição” dessas gravações. O advogado acusou Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento de terem praticado “actos nulos que podem ter consequências irreversíveis para a investigação. E sustentou que o ex-presidente do STJ se intrometeu num processo que não lhe estava confiado. Certo é que o Tribunal de Aveiro já disse que as escutas não foram destruídas. Foram, afinal, transcritas para papéis que mantém no seu cofre. O conteúdo, porém, continua a ser um mistério.

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