Quase quatro queixas por dia apresentadas contra seguranças desde 2013

Em dois anos e meio, PSP e GNR registaram 3340 queixas contra seguranças privados, 80% das quais por agressão. Associação de Empresas de Segurança Privada diz-se surpreendida e diz que trabalho não declarado em empresas não associadas pode estar a "germinar comportamentos ilícitos”.

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Entre 2010 e o primeiro semestre de 2015, a PSP detectou 761 seguranças a trabalhar de forma ilegal ADRIANO MIRANDA

Nos últimos dois anos e meio, a PSP e GNR receberam 3340 queixas contra seguranças privados. O número, contabilizado desde 2013 até ao primeiro semestre deste ano, significa uma média de mais de três participações apresentadas por dia nas esquadras e a maioria destas, cerca de 80%, refere-se a episódios em que cidadãos se queixam de terem sido agredidos por vigilantes.

De acordo com dados das duas polícias fornecidos ao PÚBLICO, registaram-se 2651 queixas por crimes contra a integridade física (2609 das quais apresentadas à PSP) em relação aos quais os seguranças surgem como suspeitos. Em Portugal, existem 62 mil vigilantes com licença válida, mas só 38 mil estão a trabalhar.

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A estatística das polícias apanha de surpresa a Associação de Empresas de Segurança Privada (AESP). “O número parece-me elevado. Seria necessário perceber quantas dessas queixas deram origem a condenações. Surpreende-me muito porque significaria uma conflitualidade em relação à qual não temos qualquer informação, bem pelo contrário”, referiu o presidente da AESP, Rogério Alves.

De resto, o antigo bastonário da Ordem dos Advogados faz questão de sublinhar que “o número está longe de reflectir a realidade da qualidade dos serviços prestados pela esmagadora maioria das empresas de segurança privada”. Não retira “significado do número” em causa, mas faz questão de afastar deste contexto as “10 empresas associadas” da AESP que representam 60% do mercado.

Para o dirigente, que contudo insiste que “os ilícitos têm de ser punidos” e que o “número pode ser um alerta”, “talvez os focos de trabalho não declarado na segurança privada [noutras empresas]” estejam a "germinar comportamentos ilícitos” e expliquem este “epifenómeno dentro deste fenómeno” até porque a “AESP só tem registo de um número de queixas residuais”.

A seguir às agressões reportadas, os crimes mais denunciados, indicados pela PSP, são aqueles contra a liberdade pessoal (456), contra a honra (155), contra a reserva da vida privada (36), contra a liberdade e autodeterminação sexual (13) e contra a vida (6). A PSP contabiliza ainda 5 queixas por “outros crimes contra as pessoas”, não especificando.

Os dados da PSP não permitem perceber em que âmbito ocorreram as agressões, se em ambientes de diversão nocturna ou durante o dia noutros contextos, mas o porta-voz da direcção nacional da PSP, subintendente Paulo Flor, sublinha que “as queixas têm maior expressão em todos os distritos da faixa litoral de Portugal, excepto Viana do Castelo”.

Um dos episódios de agressão por um segurança foi registado em vídeo pelo PÚBLICO, no Cais do Sodré, Lisboa, na madrugada de Fevereiro numa filmagem no âmbito de um trabalho multimédia através do qual se procurava fazer “um mosaico de Portugal em 1440 minutos”. No vídeo é possível ver um homem a ser agredido na chamada rua cor-de-rosa por dois homens. Um deles, foi afastado da empresa de segurança Cosmos, após o conhecimento do sucedido.

Estas situações são muito frequentes nesta zona, como confirmou fonte do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, onde chegam várias queixas ou informação das polícias por situações semelhantes. Na maioria das vezes, torna-se difícil identificar o agressor ou até mesmo a vítima que prefere esquecer a situação com medo de represálias.

Uma análise em pormenor às estatísticas da PSP, a polícia responsável pelo controlo e pela fiscalização do exercício da actividade de segurança privada, permite perceber, aliás, que o número de denúncias de cidadãos está a diminuir. Em 2013, 1534 apresentaram queixa contra vigilantes, enquanto em 2014 foram 1417 e neste primeiro semestre de 2015 o número de queixas é de 329.

Outro dado que merece a atenção das autoridades é o número de seguranças ilegais, ou seja, de trabalhadores do sector que trabalham sem a licença emitida pelo Ministério da Administração Interna. O exercício ilegal de segurança privada é um crime e pode ser punido com uma pena máxima de dois anos de prisão.

Entre 2010 e 2015 (primeiro semestre) o número de seguranças privados ilegais detectados pela PSP nas suas operações de fiscalização foi de 761. Contudo, há uma clara descida, já que em 2010 foram detectados 243, número que em 2013 baixou para 101, 15 em 2014 e já no primeiro semestre deste ano sete.

“É visível que o exercício ilícito da actividade de segurança privada diminuiu drasticamente desde 2010”, salienta o subintendente Paulo Flor que deu ainda conta de que Lisboa “foi sempre o distrito que mais contribui para os valores do ilícito”.

A este propósito, a AESP recomendou recentemente ao Governo, através do Conselho de Segurança Privada, que sejam criadas “comissões de fiscalização multidisciplinares”, revela Rogério Alves. Tal implicaria que aos agentes da PSP, nas operações de fiscalização aos locais onde trabalham os vigilantes, se juntariam inspectores da Autoridade para as Condições no Trabalho, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social.

“A fiscalização seria muito mais completa e isso seria um primeiro passo para melhorar o combate ao trabalho não declarado e a focos da actividade que eventualmente germinam comportamentos ilegais. A PSP tem feito um trabalho de louvar, mas julgamos que dessa forma seria melhorado”, defende Rogério Alves.

Trabalho não declarado tira milhões em impostos ao Estado
A AESP está a ultimar um estudo sobre o contexto actual do exercício da actividade da segurança privada em Portugal, uma análise que até agora nunca foi feita, segundo Rogério Alves, que é presidente da AESP desde 2010. Sucedeu no cargo a Ângelo Correia, antigo ministro da Administração Interna de Cavaco Silva, após ter sido convidado por empresas associadas da AESP.

“São vários milhões de euros que todos os anos são retirados aos cofres do Estado, uma vez que seriam devidos em sede de taxa social única e impostos”, explicou o advogado, referindo-se à actividade de segurança privada clandestina. O estudo deverá estar pronto nos próximos dois meses.

As ilegalidades no sector, a violação dos princípios de ética empresarial e de concorrência leal e o cumprimento das regras laborais e fiscais são algumas das questões a que a equipa directiva da AESP procurará dar respostas, anunciou a associação em comunicado quando Rogério Alves tomou posse.

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