Quase 68 mil menores em risco nas comissões de protecção em 2011

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A maioria dos pais identificados vivia dos rendimentos do trabalho Foto: Paulo Ricca

Negligência, exposição a situações de violência doméstica, abandono escolar e maus tratos.

O relatório anual de avaliação da actividade exercida em 2011 pelas 305 comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) existentes no país confirma o cenário do costume. Mas revela também algumas inversões de tendências: pela primeira vez desde 2006, houve uma quebra no número de jovens sob alçada das CPCJ – 67.491 menores, ou seja, menos 359 do que no ano anterior –, ao mesmo tempo que aumentaram os casos em que os menores foram retirados às famílias: 2995 casos.

Estes números serão escrutinados à lupa no encontro que reúne, esta quinta e sexta-feira, em Santa Maria da Feira, responsáveis como o secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, Marco António Costa, o presidente da Comissão Nacional das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), Armando Leandro, e o procurador-geral adjunto Francisco Maia Neto. Mas há conclusões que saltam desde logo à vista.

Para a diminuição do número de jovens que caíram na alçada das CPCJ contribuíram tanto a redução dos processos transitados do ano anterior (34.243) como a redução do número de processos instaurados em 2011: 27.947 no total, ou seja, menos 156 processos do que os abertos em 2010. Segundo a CNPCJR, a diminuição do número de processos instaurados em cada ano decorre da melhoria das "políticas e estratégias locais de prevenção das situações de risco e perigo".

Negligência prepondera

A problemática que mais frequentemente motiva a intervenção do Estado continua a ser a negligência a que estas crianças são expostas, traduzível, por exemplo, em falta de supervisão familiar e de acompanhamento escolar ou a nível da saúde (22.696 casos, no total).

A negligência tende a diminuir à medida que aumenta a idade das vítimas. Seguem-se os casos de exposição a comportamentos desviantes (12.974 casos, a maioria dos quais referentes a violência doméstica, mas também consumo de estupefacientes e álcool por parte dos pais) e as situações de abandono, absentismo ou insucesso escolar (9737 casos). Ao longo dos últimos anos, estas duas problemáticas têm visto aumentar a sua expressão estatística. Seguem-se os maus tratos psicológicos (6413 casos) e físicos (4824). Estes, sendo a quinta problemática mais diagnosticada pelas comissões, registam o seu valor máximo na faixa etária dos 11 aos 14 anos.

Dado curioso, segundo a CNPCJR: a prática de crimes por crianças com menos de 12 anos (que sempre teve uma expressão muito reduzida no universo das problemáticas que atingem as crianças) diminuiu significativamente em 2011 – apenas 1645 casos registados, ou seja, 2,4% do total.

Os 67.941 menores que foram acompanhados no ano passado motivaram a aplicação de 30.574 medidas de promoção e protecção das crianças e jovens em risco. Na maior parte dos casos (89,7%), os menores permanecem com os pais ou com outros familiares. Mesmo assim, registou-se, pela primeira vez desde 2006, um aumento dos casos em que os menores tiveram de ser institucionalizados (2995 casos, ou seja, mais 1,5% do que no ano anterior). O acolhimento em instituição surge assim como a terceira medida mais aplicada em 2011 e aumentou sobretudo entre os menores com idades entre os 11 e os 14 anos (912 casos, ou seja, mais 167 do que no ano anterior). Mas o relatório permite depreender também que houve mais crianças até aos cinco anos que tiveram de ser retiradas às famílias (823 casos, mais 256 casos em comparação com 2010). Já entre os seis e os dez anos de idade, houve 775 menores colocados em instituições, mais 252 do que no ano anterior.

Mais famílias com RSI

A grande maioria (87,8%) das crianças e jovens com processos instaurados em 2011 vive com a sua família biológica. Cerca de metade (43,5%) com os dois progenitores e 34,6% em registo monoparental. Conclui-se assim que as situações de perigo encontram na família nuclear o cenário mais comum. Entre os pais, 38,9% tinham entre 35 e 44 anos de idade. Cerca de metade possuía o 1.º ciclo de escolaridade, mas os que completaram o ensino secundário têm vindo a aumentar (de 4% em 2006 para 11,3% em 2011). Os agregados com bacharelato ou ensino superior representaram em 2011 3,3% dos casos, o valor mais elevado dos últimos anos.

A maioria dos pais vivia dos rendimentos do trabalho (cerca de 52%). Mas 2011 distingue-se também por ter sido o ano com mais processos abertos junto de famílias que dependiam do Rendimento Social de Inserção: 23,3%. O subsídio de desemprego era a fonte de rendimento de apenas 4,4% das famílias.

No universo das referidas 67.941 crianças e jovens sob protecção das CPCJ, o escalão etário dos 11 aos 14 anos é o mais representado, seguido do das crianças dos zero aos cinco anos de idade. Mas se analisarmos apenas as 25.134 crianças com processos instaurados em 2011, preponderam as que tinham idades compreendidas entre os zero e os cinco anos (7263 casos, ou seja, 28,9% do total). Entre estes, os bebés até aos dois anos representam por si só 17,3% do total de casos abertos pelas CPCJ em 2011 (4346 casos). O escalão etário dos 15 aos 18 anos tem perdido expressão ao longo dos últimos anos (em 2011 representaram 19,8% do total de casos abertos); mas, em sentido contrário, aumentou em 2011 a percentagem dos que, naquele intervalo etário, não tinham completado o 3.º ciclo escolar: 36,8%.

Escolas identificam

As escolas continuam a ser as entidades que mais vezes contactam as CPCJ para apontar situações de perigo. Juntamente com as autoridades policiais, foram responsáveis pela sinalização de 42% das situações de perigo que mereceram intervenção das comissões. Mas o alerta também parte dos pais ou cuidadores, mais até do que dos vizinhos e familiares mais afastados. Em 2011, aqueles foram responsáveis por 9% das sinalizações de perigo. Em termos de distribuição geográfica, Lisboa, Porto e Setúbal são os concelhos com mais crianças e jovens sob alçada das CPCJ, somando 24%, 17% e 9% dos casos, respectivamente.

A participação de crianças e jovens com menos de 16 anos em actividades culturais, artísticas ou publicitárias motivaram 56 requerimentos às CPCJ em 2011. Somados aos 16 processos transitados de 2010, as CPCJ fecharam o ano com 72 requerimentos. Apenas três casos foram recusados por não estarem salvaguardados os pressupostos de protecção da segurança, saúde e desenvolvimento físico e psíquico da criança. Isto por causa da natureza da actividade e do número de horas de participação por semana.

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