Quase 15% das torres de refrigeração analisadas entre 2010 e 2012 tinham Legionella

Estudo foi publicado em 2013. Empresa de Vila Franca de Xira suspeita de ser o foco de contaminação foi inspeccionada nesta terça-feira durante três horas. Registo de novos casos está a abrandar.

Fotogaleria
A ADP Fertilizantes desligou e desinfectou as torres de refrigeração logo no sábado, o que poderá influenciar o resultado das análises Patrícia de Melo Moreira/AFP
Fotogaleria

Os resultados finais das análises feitas em várias fábricas da zona de Vila Franca de Xira ainda não são conhecidos, mas os dados preliminares sobre a origem do surto de Legionella no concelho apontam cada vez mais para o mesmo suspeito: as torres de refrigeração das unidades industriais da zona, particularmente para as da fábrica da ADP Fertilizantes.

Um estudo publicado no início de 2013 pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) alertava precisamente para a necessidade de se reforçar a “vigilância de determinados edifícios ou locais considerados de maior risco” para o desenvolvimento desta bactéria. Entre as amostras referentes a torres de refrigeração que o Insa recolheu entre 2010 e 2012 quase 15% deram positivo quanto à presença de Legionella.

Foto

O trabalho, publicado no Boletim Epidemiológico do Insa, foi feito com base nas análises laboratoriais de mais de 1200 amostras e abrangeu água destinada a consumo humano, águas termais, águas industriais e água utilizada por torres de refrigeração e jacuzzis. Os resultados indicaram que 228 (18%) amostras estavam contaminadas por Legionella. O valor eleva-se para 28% no caso da água destinada a consumo humano (a bactéria é perigosa quando inalada, mas não quando ingerida), que contou com 154 amostras. Já nas 241 amostras de águas termais, 4% estavam contaminadas.

Foto

No que diz respeito às águas industriais, das 150 amostras recolhidas 10% tinham Legionella, e das 314 amostras de torres de refrigeração mais de 14% que deram positivo — ainda que o trabalho não indique o tipo de edifícios onde se encontravam estas torres. Dos nove jacuzzis analisados, 44% tinham a bactéria. No caso particular das torres de refrigeração, mais de metade dos positivos correspondiam a Legionella pneumophila, a mesma espécie que está na base da epidemia de Vila Franca de Xira e que é das mais agressivas. A doença não se transmite entre pessoas, mas sim pela inalação de gotículas de água contaminadas pelo bacilo.

Na altura em que foi realizado este estudo — sobre o qual o PÚBLICO tentou ouvir os autores e o Insa —, o Governo ainda não tinha eliminado as auditorias obrigatórias à qualidade do ar interior, que vigoraram de 2006 até ao final de 2013. Mas, mesmo assim, o Insa alertava para a necessidade de se manter uma atenção redobrada sobre esta bactéria que, nos casos mais graves, causa pneumonias e que afecta sobretudo homens acima dos 50 anos, apresentando-se o tabagismo como um dos grandes factores de risco.

Questionado sobre a alteração legislativa que acabou com as auditorias obrigatórias à qualidade do ar interior, o primeiro-ministro afirmou nesta terça-feira, no Porto, que a alteração visou justamente reforçar a capacidade de inspecção e prevenção destes casos”, rejeitando que o surto tenha ocorrido por “negligência do Estado”. Pedro Passos Coelho deixou a garantia de que as responsabilidades serão apuradas, para que “este caso possa funcionar de forma profiláctica”.

Do lado das autoridades de saúde e ambientais ainda não há respostas finais para o surto que se supõe ter tido o primeiro infectado a 18 de Outubro e que já soma um total de 278 doentes e de cinco vítimas mortais. Permanecem 40 pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos. Há também casos identificados no Porto, em Castelo Branco, na Figueira da Foz e em Vila Real, assim como em Luanda (Angola) e Lima (Peru) — praticamente todos em pessoas que, de alguma forma, tiveram ligações com Vila Franca de Xira nas últimas semanas, altura em que a bactéria estaria activa, visto que o período de incubação varia de dois a dez dias.

De qualquer forma, tal como havia dito o ministro da Saúde, Paulo Macedo, o pico parece ter sido atingido, com o número de novos casos a cair 30% na segunda-feira e 19% nesta terça-feira. Quanto aos passos dados para identificar o foco, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, anunciou também nesta terça-feira que iria ser feita uma acção inspectiva extraordinária na fábrica da ADP Fertilizantes, instalada na zona das freguesias mais afectadas, para averiguar um “eventual crime ambiental”, depois de algumas análises terem detectado a presença da bactéria neste local. “Tendo em atenção as análises que foram feitas, tanto no sábado como novamente no domingo, considerámos que um grau de probabilidade mais elevado está associado às torres de refrigeração e, no âmbito das torres de refrigeração, concretamente em relação a esta empresa”, acrescentou Moreira da Silva.

O ministro do Ambiente especificou que a inspecção servirá para averiguar um “eventual crime ambiental por libertação de microrganismos para o meio ambiente” nas torres paradas deste o fim-de-semana. Porém, salvaguardou que ainda não é altura de “descartar definitivamente outras hipóteses” e que é necessário aguardar pelas “amostras e análises que estão ainda em cultura”. A inspecção foi realizada durante a tarde desta terça-feira, demorou cerca de três horas, e ainda não foram divulgadas conclusões.

A subdirectora-geral da Saúde, Graça Freitas, tinha antes admitido a presença bactéria noutra empresa da zona, a Solvay. Depois das declarações de Moreira da Silva, o ministro da Saúde disse que foi na sequência de um conjunto de “conclusões preliminares” que se ordenou que várias fábricas em Alverca do Ribatejo encerrassem as torres de refrigeração. E foi ainda mais prudente do que o colega de Governo no que toca a admitir que a ADP Fertilizantes seja a fábrica a partir da qual se disseminaram as bactérias. “Ainda não descartámos as outras hipóteses”, ressalvou Paulo Macedo, apelando a que se aguarde por uma “análise mais profunda” que depende dos testes que precisam de cinco a dez dias. “Os primeiros testes não dizem nem a quantidade nem o tipo de Legionella”, sublinhou, acrescentando que só quando se souber ao certo que bactéria presente nas torres se poderá verificar se é a detectada nos doentes.

O PÚBLICO tentou ouvir a ADP Fertilizantes, mas ninguém se mostrou disponível para prestar esclarecimentos. A empresa foi, porém, o local escolhido na segunda-feira pelo director-geral da Saúde, Francisco George, para dar uma palestra sobre a Doença do Legionário, numa sessão em que os trabalhadores da fábrica puderam expor as suas dúvidas. Francisco George foi ao local para acalmar os trabalhadores, depois de se ter sabido que desde sábado tinham surgido pelo menos seis casos de Legionella na fábrica. Aliás, logo no sábado, a empresa desligou as torres de refrigeração — onde a bactéria encontra normalmente condições para criar uma colónia. As torres foram também desinfectadas e seladas, o que poderá influenciar os resultados das análises.

Também contactado pelo PÚBLICO, Francisco George não quis fazer mais comentários, remetendo todos os esclarecimentos para o comunicado do final da tarde desta terça-feira no qual a Direcção-Geral da Saúde, também mais prudente que o ministro do Ambiente, apenas insistia que “os inquéritos epidemiológicos continuam a decorrer, mas toda a evidência sugere que o surto está circunscrito e que “não há indícios de extensão do risco de doença para lá da zona já delimitada”. com Margarida Gomes

Saiba mais sobre a Legionella

Sugerir correcção
Ler 9 comentários