PS e PCP tentam no Parlamento impedir encerramento de 47 tribunais

Após três anos de reformas impostas pela troika, não se sentem melhorias significativas na eficiência do sistema judicial, apesar de alguns aspectos positivos.

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A ministra da Justiça anunciou que os comerciantes deverão ser obrigados a fazer uma acusação particular Nuno Ferreira Santos

Decorre hoje uma das principais batalhas na contestação à reforma do mapa judiciário aprovada pelo Governo, com o PS e o PCP a obrigarem o executivo a discutir no Parlamento o modelo decidido em Conselho de Ministros e que irá implicar o encerramento de 47 tribunais. Os dois partidos da oposição vão tentar impedir os fechos anunciados, adiar o arranque da reforma e introduzir alterações na configuração do mapa judiciário que a ministra da Justiça quer que arranque a 1 de Setembro.

Esta discussão surge quando o país está a dias de terminar o programa de ajustamento acordado com a troika, altura em que o PÚBLICO aproveita para fazer um balanço dos quase três anos sobre a assinatura do memorando de entendimento, em Maio de 2011. Os actores judiciais ouvidos pelo PÚBLICO concordam que as reformas lançadas neste período não trouxeram melhorias significativas na eficiência do sistema judicial, apesar de alguns apontarem alguns aspectos positivos, como o Código Processo Civil. Muitos destacam que a reforma mais estrutural do sector, a reorganização do funcionamento dos tribunais, ainda não saiu do papel, e temem as consequências de se avançar com o novo mapa judicial “de forma atropelada”.

O adiamento do arranque da reforma, para Setembro de 2015, é aliás uma das propostas que serão hoje apresentadas pelo PCP no Parlamento. O deputado comunista António Filipe explica que o partido irá avançar com 25 propostas de alteração do diploma que regulamentou o mapa judiciário e que foi aprovado em Conselho de Ministros no dia 20 de Fevereiro. “Vamos propor alterações em cada uma das 23 comarcas criadas por este modelo. No essencial vamos propor que nenhum tribunal encerre e que os tribunais de competência especializada que existem se mantenham e que os novos previstos nesta reforma tenham uma competência apenas municipal e não distrital”, avança António Filipe.

E exemplifica: “No distrito de Santarém prevê-se a criação de um Juízo de Execução no Entroncamento com competência para todo o distrito, o que significa que qualquer cidadão do distrito que queira intentar uma acção de cobrança de dívida terá de se deslocar ao Entroncamento.” O PCP propõe, continua, “que se mantenha esse juízo de execução, mas com competência apenas para o município do Entroncamento e não para todo o distrito”.  

O PS também concorda que o modelo aprovado pelo Governo afasta “gravosamente as populações do acesso efectivo à Justiça”, não apenas devido ao encerramento de tribunais, mas sobretudo pela concentração das acções mais importantes nas sedes de distrito. “Este modelo exagera na centralização. Mesmo os tribunais que não fecham e se transformam em secções locais só vão tratar dos processos mais simples. Os de maior valor ou de maior gravidade penal serão julgados na sede do distrito, para onde advogados e testemunhas terão de se deslocar”, critica o deputado socialista Jorge Lacão. O parlamentar adianta que o PS vai tentar aprovar hoje a cessação da vigência da reforma do mapa judiciário, mas reconhece que é muito difícil a proposta ser aceite devido à maioria parlamentar de direita actualmente existente. Lacão refere que o PS pretende apresentar hoje propostas para minorar os efeitos desta reforma, sem desvendar o conteúdo das mesmas.

Num balanço sem filiação partidária, Conceição Gomes, coordenadora do Observatório Permanente da Justiça (OPJ), considera que as reformas realizadas nos últimos três anos não resultaram numa melhor eficiência do sistema de Justiça. “A percepção que as pessoas têm é que a Justiça está mais cara, mais difícil de aceder e não se sentem melhorias na eficiência e na eficácia do sistema”, resume a jurista doutorada em Sociologia. Conceição Gomes reconhece aspectos positivos, nomeadamente no campo da acção executiva, mas considera que não se atacaram os principais bloqueios do sistema. “O memorando fez uma aposta muito selectiva das reformas nesta área concentradas essencialmente no impacto da Justiça na economia e na cobrança de dívidas”, sustenta.

A coordenadora do OPJ, que integra o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, recorda que os litígios que mais interferem com os direitos das pessoas correm nos tribunais administrativos e, aqui, a troika não impôs qualquer reforma (está em curso a revisão de grande parte dos diplomas estruturantes desta área, mas as alterações ainda não estão aprovadas). Conceição Gomes lamenta ainda que parte das reformas lançadas, como o novo modelo do mapa judiciário, não tenha sido alicerçada em estudos ou dados sólidos.

Destacando a importância do novo mapa judicial e reconhecendo que pode ser um grande motor de mudanças no sector da Justiça, a coordenadora do OPJ aconselha o adiamento da entrada em vigor da reforma. “Há potencialidades na lei, mas não existem condições práticas para avançar em Setembro”, considera. E lembra que só esta semana uma parte dos juízes presidentes das novas comarcas tomou posse, faltando ainda a nomeação dos administradores judiciais e estando suspensa por decisão do Supremo a posse de seis juízes presidentes, uma figura essencial no novo mapa, que ficará encarregado de planear a transição do velho para o novo modelo. Conceição Gomes lamenta ainda a rápida formação dada aos responsáveis pela gestão das novas unidades orgânicas e insiste que uma reforma desta natureza precisa de tempo: “Não pode ser feita de forma atropelada, sob pena de daqui a cinco anos estarmos exactamente no mesmo sítio. Continuarmos com reformas inúteis e sem efeitos práticos.”

Ao contrário da coordenadora do OPJ, que aplaude a aposta na resolução alternativa de litígios, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, acredita no falhanço desta estratégia. “Os casos resolvidos nos julgados de paz, por exemplo, são residuais face ao total de processos pendentes nos tribunais”, avalia. O juiz também lamenta os bloqueios existentes na justiça administrativa e fiscal e recorda que as equipas criadas para tratarem dos processos fiscais de valor superior a um milhão de euros “não resolveu nada” e que aqueles tribunais continuam afundados.

Essa realidade parece escondida pelas estatísticas divulgadas pelo Ministério da Justiça, que na quinta-feira anunciou que o número de processos pendentes nos tribunais diminuiu quase 10% (9,8%) em 2013. O ministério reconhece que o principal factor a contribuir para esta redução foi a diminuição de pendência das acções executivas, o que leva os sindicatos a falar de “operação de maquilhagem e de uma engenharia estatística”. Carlos Almeida, presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, diz que esta redução é meramente administrativa, lembrando a grave falta de funcionários judiciais e a falta de definição dos quadros e do funcionamento das secretarias no novo mapa judiciário. Mouraz Lopes também está preocupado com essa indefinição e com a escassez de oficiais de justiça: “É uma das áreas em que é claro que o cobertor não chega para a cama toda.”

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