Professores e outros profissionais contestam propostas para rever sistema de educação especial

Grupo de trabalho nomeado pelo Governo recomendou uma clarificação dos critérios e propôs uma distinção entre necessidades permanentes e dificuldades de aprendizagem.

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Adriano Miranda

A ideia de usar o “critério de permanência” das necessidades educativas para definir quem é elegível para receber apoios de educação especial é apontada como desajustada e potencialmente não inclusiva de situações não-permanentes que carecem tanto ou mais de uma intervenção, até para prevenir o agravamento das mesmas. As propostas para a revisão do conceito e da lei para a educação especial, apresentadas em síntese esta quarta-feira, estão a suscitar reservas junto de profissionais ligados a este sector ouvidos pelo PÚBLICO. Dizem ter dúvidas que as recomendações agora feitas pelo grupo de trabalho criado pelo Governo dêem as respostas educativas que se impõem e temem que muitos alunos fiquem excluídos dos apoios.

O objectivo de entregar aos Serviços de Saúde a avaliação de todos os casos é outros dos aspectos preocupantes das propostas apresentadas por um grupo de trabalho nomeado pelo Governo, segundo José Morgado, professor no Departamento de Educação do ISPA – Instituto Universitário em Lisboa. “Os diagnósticos podem ser diferenciados mas não se pode remeter essa avaliação a serviços que não sejam da Educação.” E acrescenta: “Aqueles que não são elegíveis ficam com enormes dificuldades em ter apoios.”

O especialista diz ainda temer que “se possa estar a assistir a um retrocesso no trabalho educativo junto de crianças com necessidades especiais”.

Por seu lado, o secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, considerou, em declarações à Lusa, que estas propostas, a serem aplicadas, “negam” a muitas crianças o direito a uma educação inclusiva. Num comunicado enviado às redacções, a Fenprof denuncia o desinvestimento feito nesta área e considera que, “numa primeira análise [das conclusões], fica a impressão que o trabalho deste grupo se terá destinado à validação dos argumentos do MEC [Ministério da Educação e Ciência]”.

Esta é também a leitura da professora de Educação Especial, Sofia Barcelos: “Este discurso não é novo.” A docente sustenta que ao querer distinguir as crianças com dificuldades de aprendizagem não-permanentes das que têm necessidades permanentes, o Governo estará, na verdade, a querer retirar algumas problemáticas das necessidades permanentes para reduzir o número de alunos elegíveis.

"A distinção pode ser positiva, mas desde que seja no sentido de tornar os recursos mais eficientes e apetrechar as escolas com os meios adequados", considera por sua vez Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, para quem o investimento actual "ainda não permite incluir todas as crianças de acordo com as suas necessidades".

Governo defende investimento
Sofia Barcelos também aponta um “desinvestimento” nos últimos anos nas escolas, embora os dados apresentados na conferência de imprensa desta quarta-feira, por Pedro Cunha, da Direcção-Geral da Educação, coordenador do grupo de trabalho, sustentem o que já foi dito por representantes do Governo – que “não houve desinvestimento no sector”.

Os dados do MEC referidos na apresentação por Pedro Cunha mostram aumentos no número de alunos elegíveis para apoios, no número de turmas com menos de 21 alunos e no número de técnicos nas escolas afectos à educação especial entre os anos lectivos 2010/11 e 2012/13.

Para Sofia Barcelos, porém, estes números estão longe de reflectir a realidade em que vivem as escolas. E remete para dados recentes da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares publicados no blogue Incluso de João Adelino Santos, também professor, que mostram que o número de docentes de Educação Especial diminuiu de 5835 em 2012/2013 para 5363 no ano lectivo que agora termina.

Pedro Cunha também sublinhou que o que está a ser proposto ao Governo, quando se fala de distinguir as crianças com dificuldades de aprendizagem, como as dislexias, das que têm necessidades educativas permanentes, é que sejam criadas respostas específicas para as primeiras, em vez de as incluir nos apoios da educação especial, que devem ficar apenas as segundas.

Mas José Morgado vai mais longe do que Sofia Barcelos. O psicólogo está entre as pessoas e entidades que foram ouvidas pelo grupo de trabalho – mais de 50 organizações foram ouvidas e mais de cem pessoas entrevistadas – e diz que “os últimos dois anos lectivos foram catastróficos” nas escolas com a falta de todo o tipo de profissionais que dão apoio nesta área. E enumera a falta de professores, de funcionários para ajudar alunos com dificuldade de mobilidade e de intérpretes para a linguagem gestual portuguesa para alunos com surdez, entre outros.

Mudanças em 2008
Desde a mudança da lei (do decreto-lei 319/91 para o decreto-lei 3/2008) há seis anos, só os alunos identificados como tendo necessidades de carácter permanente passaram a ser elegíveis para os apoios à educação especial. O que leva muitas escolas a incluir alunos com necessidades especiais – de outros tipos – nesta categoria, para poderem ser abrangidos, alerta José Morgado.

O professor do Departamento de Educação do ISPA – Instituto Universitário apoia-se também nas conclusões do relatório do Conselho Nacional de Educação, divulgado na semana passada. Nele se concluía que o actual quadro legislativo e a falta de recursos em infra-estruturas e profissionais deixava muitos alunos com necessidades educativas especiais sem “respostas educativas ajustadas”. “Como pode o Governo afirmar e repetir que não há desinvestimento?", interroga-se José Morgado.

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