Professores desvalorizam resultados "sem significado estatístico" da PACC

Docentes chumbaram a Português e a Física e Química na Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC). Uma prova que, insistem os professores, é “absurda” e “uma aberração”

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Qual o significado estatístico da classificação média de uma Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) feita por apenas três pessoas ou mesmo por 68? Ou da média dos que fizeram o teste, como o de Português nível 1, em que incluía uma pergunta em que o MEC admitiu ter havido uma omissão; ou o teste de Português nível 2, em que eram colocadas questões “desadequadas”? Estas são algumas das questões levantadas por representantes de professores, que a pedido do PÚBLICO analisaram os resultados da PACC, conhecidos esta quinta-feira, e os desvalorizam.

Foi ao final do dia de ontem que o Instituto de Avaliação Educacional (Iave) divulgou os resultados da componente específica da PACC, uma prova obrigatória para todos os professores com menos de cinco anos de serviço que queiram candidatar-se a dar aulas. A componente geral da PACC já tinha afastado dos concursos 854 candidatos; os resultados agora conhecidos dizem respeito à componente específica, que consta de várias provas que se destinam a avaliar os conhecimentos dos professores nas disciplinas a que se querem candidatar a dar aulas.

Ao todo estavam disponíveis 24 provas (18 das quais foram realizadas por menos de 100 candidatos). Como cada professor pode candidatar-se a vários grupos de recrutamento para dar aulas, os 1565 candidatos fizeram um total de 2153 provas.

A prova em que a classificação média foi mais alta (88,2%) e uma das quatro em que a taxa de aprovação foi de 100% foi a de Educação Especial 3 – realizada por três professores. As outras quatro em que todos os professores passaram (porque tiveram a classificação de 50 % ou mais) foram a de Artes Visuais 1 (feita por 23 pessoas com média de 82,2%); a de Electrotecnia, feita por apenas um professor (que teve 76,7% no seu teste); a de Música feita por 20 pessoas (que tiveram de 74%); e a de Educação Especial 1, realizada por 76 docentes (com média de 77,5 %).

No pólo oposto, entre as duas disciplinas em que houve maior percentagem de chumbos está Física e Química (reprovaram 63% dos 68 professores que a fizeram).

Estes dados explicam por que o próprio Iave alerta, na nota divulgada, que “os resultados observados são referentes a uma amostra não probabilística objectiva circunscrita aos candidatos a docentes”. “E que não podem, por isso, ser utilizados para extrapolações de conhecimentos e capacidades de outras populações”.

Pela mesma razão, não agradou a vários representantes dos professores que o Iave tenha divulgado resultados estatísticos das aprovações e reprovações.

"Uma aberração", diz Carlos Fiolhais

“O Iave pouco sabe de estatísticas”, criticou Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra. Em resposta, por escrito, ao pedido de análise dos resultados, feito pelo PÚBLICO, Fiolhais chamou a atenção para o facto de aquele instituto colocar a prova de Educação Especial 3 entre aquelas em que os docentes tiveram melhores resultados (88,2%). “Pasme-se, só havia três candidatos, pelo que essa média não tem qualquer significado!”, protestou.

Em relação à percentagem de reprovações na prova de Física e Química, o investigador diz que “ainda há pouco” esteve numa acção de formação em Braga onde estavam, “só dessa cidade, mais  professores do que aqueles que em todo o país fizeram a prova”. “Por todo o país há vários milhares de professores dessa disciplina competentes e empenhados”, comenta o investigador, que acusa o Ministério da Educação e Ciência (MEC) de usar a PACC, “uma aberração”, como “uma arma de arremesso político contra os professores” e de com ela visar “eliminar alguns candidatos de uma maneira muito duvidosa”.

Os resultados da prova em que se registou a segunda maior percentagem de chumbos (Português, nível 2, em que reprovaram 60,4 % dos 106 docentes que a realizaram) também são desvalorizados pelo presidente da Associação Nacional de Professores de Português (Anproport), Fernando Nabais. Para além de contestar o uso de uma prova como a PACC para verificar quem são os bons professores, critica os testes aplicados, em concreto, e as circunstâncias em que eles são feitos, na medida em que abordam conteúdos de uma disciplina em que “não há qualquer estabilidade”.

No que respeita à gramática, sublinha o facto de o dicionário terminológico ter sido alterado na fase final da formação dos professores que estiveram a ser avaliados (“sem ser devidamente discutido e avaliado”, frisa). Mas também de a ortografia ter mudado (vigorando “o caos ortográfico); e de os próprios programas “estarem permanentemente a mudar”.

Fernando Nabais  (como Carlos Fiolhais) criticou os erros cometidos pelo Iave, que resolveu o problema da omissão de um dado, na prova de Português nível 1, atribuindo a cotação máxima a todos os docentes, “mas não eliminou a perturbação que essa omissão causou nos professores, que estavam a fazer uma prova eliminatória”.

No que respeita à prova de Português de nível 2, Fernando Nabais questiona-se sobre se alguém pensará que “os professores saem dos cursos superiores com caixas de conhecimentos, que apenas têm de abrir para despejar a matéria”. “Um professor que durante cinco anos tenha dado aulas ao 3.º ciclo não está, com toda a certeza, preparado para fazer um pequeno ensaio sobre “o “fingimento” na heteronímia Pessoana, que é um conteúdo do secundário”, frisou, apontando esse como “apenas um dos aspectos em que as provas são completamente desadequadas”.

Avaliação? Dentro da sala de aula

A presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), Lurdes Figueiral, escusou-se a comentar os resultados dos professores que fizeram as provas de Matemática 1 (em que reprovaram 41,6 % dos 449 docentes) e Matemática 2 (feita por 101 docentes e com uma percentagem de chumbos de 25,7%). Limitou-se a dizer o que sempre afirmou – entre outras críticas, que a PACC “serve para excluir professores da carreira”, “reduz a complexa tarefa de ensinar e o próprio conhecimento à invocação imediata de factos e procedimentos (alguns bem pouco relevantes)” e que a prova é “absurda, porque  pressupõe que todo o conhecimento matemático de uma licenciatura pode estar actualizado em permanência”.

Contactado pelo PÚBLICO, o vice-presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), Manuel Oliveira, também não se debruçou sobre os resultados da PACC, por considerar que “são as instituições de ensino superior que definem quem está em condições de dar aulas” e defender que “a avaliação dos professores tem de ser feita em contexto de sala de aula”. “Não faz sentido nenhum ser uma prova como a PACC a determinar quem deve ou não dar aulas”, contestou.

O dirigente da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, disse à Lusa, a propósito dos resultados da PACC, que o MEC não quer a prova para resolver o problema de formação nas instituições, mas sim para "massacrar e denegrir” os professores. César Israel Paulo, presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC) criticou o facto de o MEC "insistir numa prova que se encontra completamente descredibilizada, depois de ter sido criticada por personalidades de todos os sectores, incluindo as que compõem o próprio Conselho Científico do Iave". "É grave para quem faz a prova e é grave devido à extrapolação que a opinião pública faz dos resultados, pensando que eles se aplicam aos 100 mil professores que estão a dar aulas e aos 30 mil que desejam fazê-lo e que não foram sujeitos a esta prova", disse, quando contactado pelo PÚBLICO. 

Na quinta-feira, através do gabinete de imprensa, o MEC reiterou a importância da prova e insistiu em que “é fundamental o domínio dos conhecimentos e capacidades específicas e essenciais para a docência em cada grupo de recrutamento e nível de ensino. "Como sempre temos dito, não se pode ensinar bem o que não se sabe muito bem”, completou. 

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