Professores de Matemática acusam Nuno Crato de “incapacidade” e “impreparação”

Associação de Professores de Matemática apresentou nesta quinta-feira Agenda para evitar o Desastre no Ensino da Matemática. Ministério da Educação alega que os programas se basearam “em investigações internacionais de reconhecido mérito".

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Ministério recorda que os programas estiveram em consulta pública e tiveram centenas de contributos de docentes e associações científicas Miguel Manso

A Associação de Professores de Matemática (APM) apela à “inversão da política educativa” que tem sido seguida pelo ministro da Educação e Ciência e acusa Nuno Crato de desestabilizar as escolas, de revelar “incapacidade para perceber os problemas” no ensino da Matemática e de “impreparação nos diversos campos da política educativa”.

No documento intitulado Agenda para evitar o Desastre no Ensino da Matemática, apresentado nesta quinta-feira, defendem a revogação do programa de Matemática do ensino básico, homologado este ano e em vigor em alguns anos de escolaridade, e que a proposta de programa de Matemática A para o secundário não vá para a frente. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) defende que ambos os programas se basearam “em investigações internacionais de reconhecido mérito” e em modelos de ensino que “têm revelado resultados muito positivos”.

Os professores consideram que Crato tem provocado “grande desestabilização nas escolas” e “revelado evidente incapacidade para perceber os problemas actualmente existentes no ensino da Matemática — muitos dos quais por ele criados ou fortemente agravados”. A APM acusa o governante de “manifesta impreparação nos diversos campos da política educativa, não só no que respeita ao ensino básico e secundário”, mas também ao superior.

Por isso, propõem uma Agenda para evitar o Desastre no Ensino da Matemática e, entre as medidas, destaca-se a revogação do programa de Matemática do ensino básico homologado em Junho e posto em prática em alguns anos de escolaridade em Setembro. De acordo com estes professores, as metas curriculares associadas a este programa incluem “modificações inapropriadas” e abordagens de ensino “em completa contracorrente” face às orientações internacionais. O que a APM propõe é que o programa, que agora se está a iniciar nos 1.º, 3.º, 5.º e 7.º anos, seja suspenso no final do ano lectivo, voltando a aplicar-se o de 2007, ainda vigor nos restantes anos de escolaridade.

A presidente da APM, Lurdes Figueiral, Lurdes Figueiral, acusa Crato de proceder a alterações sem avaliação prévia: “O senhor ministro, que gosta tanto de avaliações para tudo e para nada, só conhece a avaliação exame, pelos vistos não conhece outro tipo de instrumentos de avaliação. Ainda ontem [na entrevista que deu à RTP na noite de quarta-feira sobre a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências dos professores] dizia que avaliação ia melhorar tudo e mais alguma coisa, mas para melhorar eventualmente os programas em vigor, não fez nenhuma avaliação”, diz.

A APM defende ainda a manutenção do actual programa de Matemática A para o secundário, por entender que a proposta que o visa alterar segue, entre outras críticas, uma “concepção” de matemática “de pendor formalista e excessivamente abstracta”.

Para Lurdes Figueiral, Crato quer pôr em prática programas da “década de 50 ou 60”, prejudicando “fortemente o trabalho dos professores e sobretudo as aprendizagens dos alunos”: “Só porque o senhor ministro entendeu que assim é que é. Como ele estudou é que é, como era no tempo dele é que é. Exames no quarto ano, exames para tudo e para nada, um programa cheio de uma matemática que ninguém entendia nada, que levava a um grande insucesso, a um afastamento dos alunos em relação à matemática, aos alunos desenvolverem um sentimento de incapacidade para com a matemática, é a isso que vamos voltar se certas medidas persistirem”, alerta.

Por email, o MEC defende que o programa do ensino básico homologado e a proposta do novo programa para o secundário se basearam “em investigações internacionais de reconhecido mérito”, em modelos de ensino que “têm revelado resultados muito positivos” e que confirmam que “os desempenhos em matemática dependem não de um talento especial de alguns alunos, mas do esforço” e “da forma como o ensino está organizado”.

O MEC recorda ainda que os programas estiveram em consulta pública e tiveram centenas de contributos de docentes e associações científicas, entre outros. “Apenas nas metas e programas do ensino básico foram recebidos quase 100 contributos, enquanto que para o do ensino secundário foram recebidos pareceres assinados por mais de uma centena de professores do ensino secundário, autores de manuais, agrupamentos de escolas, matemáticos, especialistas em ensino e sociedades científicas e profissionais”, escrevem.

Na mesma resposta, o MEC argumenta ainda que o programa do ensino básico que foi revogado “carecia de falta de clareza e rigor”: "De facto, o programa de Matemática homologado em 2007 (e entretanto revogado), para além de fortemente criticado por muitos professores de todos os níveis de ensino e por instituições do ensino superior, carecia de falta de clareza e rigor. Efetivamente, apontava-se o ser algo vago, no sentido de admitir múltiplas interpretações e ser muito extenso em termos de conteúdos e objetivos num quadro metodológico que requer muito tempo de trabalho com os alunos", escrevem no email.

A Agenda para evitar o Desastre no Ensino da Matemática foi apresentada no âmbito de uma conferência, promovida pela APM, que decorreu nesta quinta-feira e que reuniu diversos especialistas em torno do tema do ensino da Matemática. Entre outras propostas, a APM defende a elaboração de um novo plano de formação contínua de professores, em colaboração com instituições de ensino superior, e o aprofundamento da reflexão sobre a formação em Matemática dos futuros docentes. Para tal, a APM desenvolverá acções, envolvendo as instituições de ensino superior com responsabilidades na formação inicial de professores, por entenderem que, apesar de serem “importantes as condições de acesso, são muito mais importantes as condições em que decorre a formação matemática e didáctica” dos futuros docentes “de todos os níveis de ensino”, incluindo o superior.
 

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