Uma dirigente escolar lançou a polémica nas redes sociais, ao recusar-se a limitar o recrutamento de professores de Geometria Descritiva aos professores de Artes Visuais com a justificação oficial de que na maioria dos casos aqueles não sabem leccionar a disciplina. A Associação de Professores de Desenho e Geometria Descritiva (APDGD) e o autor do programa, no entanto, concordam com a directora: há quem esteja a ensinar sem nunca ter tido qualquer formação na área.

No centro da discussão está uma disciplina bienal de opção para os alunos dos cursos de Artes e de Ciências e Tecnologia e sujeita a exame nacional – escolhida principalmente por alunos que desejam ir para os cursos de Arquitectura, a maioria dos quais exige aquela disciplina como específica (a par de Matemática ou outra).

Rosalina Pinheiro, directora do agrupamento de escolas Francisco de Holanda, de Guimarães, decidiu, face à doença da professora titular, contratar “alguém com conhecimentos técnicos específicos”, em vez de um professor do grupo 600, de Artes Visuais. Alega que “frequentemente são colocados para dar aulas de Geometria Descritiva docentes que, apesar de legalmente o poderem fazer, não têm formação para tal”.

“Não estou a pretender favorecer ninguém, era só o que faltava. Estou a tentar proteger os alunos, que no nosso agrupamento têm sido muito prejudicados”, disse a directora sobre o concurso para contratação de um professor que nas redes sociais foi apontado como um caso de criação de critérios ilegais para conduzir à escolha de um candidato em concreto.

Contactada pelo PÚBLICO, Vera Viana, a presidente da APDGD, não se quis pronunciar sobre o caso, mas disse perceber a preocupação da directora. “É verdade – estamos perante um ciclo vicioso: a disciplina de Geometria Descritiva costuma ser mal amada pelos alunos de Artes, pela proximidade com a Matemática, e há casos em que já se tornou facultativa, ou seja, os alunos podem fazer o curso e ficar com habilitações para dar aulas sem nunca terem tido, eles próprios, uma aula sobre aquela matéria”, disse.

O mesmo sublinha João Pedro Xavier, autor do programa da disciplina e docente de Geometria na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Ressalvou que “para fazer afirmações taxativas teria de fazer um levantamento rigoroso da formação de todos os professores com habilitação para leccionar Geometria Descritiva”, mas disse poder falar da sua experiência.

“Quando dei aulas de Geometria Descritiva na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, tive alunos que, depois de se tornarem professores do secundário, regressaram para me pedir ajuda, para se prepararem – o que será hoje, que a disciplina é opcional naquela escola e certamente em muitas outras?” Segundo diz, mesmo os alunos de Arquitectura “chegam mal preparados do secundário e têm sérias dificuldades em fazer a cadeira no ensino superior. A nota dos testes deixou de ser factor eliminatório, a maior parte faz a cadeira através da apresentação de trabalhos individuais ou de grupo”, disse.

Aposta na formação
Tanto Vera Viana como João Pedro Xavier consideram que “uma aposta séria na formação” é indispensável para cortar este ciclo. “Não é uma disciplina complexa, embora exija rigor, e é essencial tanto na Arquitectura como nas Belas-Artes”, diz o autor do programa. Vera Viana considera que “o que não se pode fazer é optar por realizar exames nacionais de ano para ano mais fáceis, para os alunos irem passando”, que é o que, na sua perspectiva, “está a acontecer”.

Ricardo Reis, dirigente da Associação dos Professores de Expressão e Comunicação Visual (APECV), diz que esta “discussão não faz sentido” e alega o facto de este ano a “média do exame nacional de Geometria Descritiva, feito por 9113 alunos, ser positiva” – 10,2 valores em 20 (mais 1,2 do que no ano anterior). Para além do mais, reforça, “no actual estado da Educação, em que o ministério permite que professores leccionem disciplinas fora do grupo pelo qual que foram recrutados e sem profissionalização na área – este assunto é, definitivamente, menos urgente”.

O dirigente da APECV confirma, contudo, que dentro do grupo de recrutamento 600 – com habilitações para dar Geometria – há  pessoas com “formação de origem muito variada”, “como Pintura, Escultura, Design, Arquitectura, etc.”, “alguns sem formação em Geometria Descritiva” e “muitos sem vontade de leccionar essa disciplina”. “Como normalmente a Geometria Descritiva era entregue aos professores mais novos, já que os do quadro não queriam leccioná-la, muito provavelmente os que têm mais experiência estão neste momento fora das escolas, no desemprego”, disse. Considerou, no entanto, que “não faz sentido criar um grupo de recrutamento próprio, pelo número reduzido de alunos que têm a disciplina”.