Procuradores dizem que Portas “excedeu mandato” em negócio “opaco” dos submarinos

Ministério Público arquivou inquérito à compra de dois submarinos por não terem sido encontradas provas de crimes, admitindo, que se estes tivessem ocorrido, já estariam prescritos. Detectadas ilegalidades administrativas, que podem, no limite, levar à nulidade do contrato.

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Paulo Portas foi contratado pela Mota-Engil Nuno Ferreira Santos

No despacho de arquivamento do inquérito à compra de dois submarinos pelo Estado português, um documento com 331 páginas a que o PÚBLICO teve acesso, os procuradores Josefina Fernandes e Júlio Braga dizem que o então ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, “excedeu o mandato” que lhe foi conferido pelo Conselho de Ministros em finais de 2003 ao celebrar um contrato de compra diferente dos termos definidos na adjudicação e insistem que as negociações entre o Estado português e o consórcio alemão “decorreram de forma opaca”.

Essa avaliação refere-se especificamente às conversações que ocorreram entre Novembro de 2003, data em que Portas assinou a proposta de adjudicação ao consórcio alemão e Abril de 2004, quando o mesmo governante celebrou o contrato de compra daquele equipamento militar. Mas apesar de terem detectado “a violação de princípios e normas de natureza administrativa” que, no limite, podem resultar na nulidade do contrato, os magistrados sublinham que a “prática de ilegalidade não têm, necessariamente, de configurar a prática de crime”.

A ausência de indícios criminais válidos levou o Ministério Público a arquivar um inquérito que esteve mais de oito anos sob investigação, admitindo os procuradores que mesmos que tivessem ocorrido ilícitos criminais estes já estariam prescritos.

“As negociações entre o Estado português e o adjudicatário, após a retoma do processo por via da resolução do conselho de ministros 67/2003 decorreram de forma opaca, sem a elaboração de actas das reuniões, numa conjuntura complexa resultante de indefinições do programa e do desajustamento do caderno de encargos quanto às especificações técnicas em virtude da evolução tecnológica verificada após as melhores ofertas de 2000”, escrevem os dois procuradores. E acrescentam: “Tais negociações levaram à celebração de um contrato substancialmente diverso do adjudicado pelo Conselho de Ministros já que aspectos essenciais dos direitos e deveres das partes foram alterados”.

Nas conclusões do despacho, os magistrados do Ministério Público especificam algumas dessas mudanças, nomeadamente “alterações de monta” no equipamento que acompanha os submarinos, na fórmula do preço, e na introdução de uma contrapartida de valor “muitíssimo significativo” que “nem sequer foi objecto de qualquer relatório de avaliação”.

Estas alterações introduzidas já depois do Estado ter escolhido o fornecedor dos submarinos (que habitualmente não são possíveis nos contratos públicos) acreditam os procuradores  apoiou-se num parecer do escritório Sérvulo Correia e Associados, que assessoravam o Estado, considerando que a separação entre o acessório e o principal decorria de uma margem de liberdade administrativa do Estado, em cujos meandros os tribunais não entravam.

Apesar de considerarem que Portas excedeu o seu mandato, os magistrados consideraram que a posterior ratificação do Conselho de Ministro em Agosto de 2004 , já pelo Governo de Santana Lopes, “sanou qualquer irregularidade que pudesse ter existido do ponte de vista administrativo”.

Apesar do enorme volume de documentos existente nos autos - os 19 volumes e mais de 100 apensos em papel ou os 902.871 ficheiros em formato digital – o Ministério Público admite que muito ficou por esclarecer. Documentos considerados relevantes não foram localizados.   “Convém enfatizar que, face à opacidade do processo negocial, conforme já referido, não é perceptível, em grande parte das situações mais melindrosas, como e com quem foram obtidos alguns consensos que se materializaram nos contratos celebrados”, dizem os procuradores. “Só foi possível fazer uma reconstituição fragmentada, assente na análise de troca de emails, apontamento à mão e testemunhos contraditórios entre si e pouco esclarecedores”, admitem.

Apesar disso, para Josefina Fernandes e Júlio Braga, a terceira equipa de procuradores que assumiu a direcção deste inquérito há pouco mais de um ano, ficou evidente “os recuos e avanços sobre a matéria a contratualizar, tendo ficado patente “uma grande conflitualidade entre os negociadores”. Prova disso, dizem, é o facto do consórcio alemão ter chegado a depositar junto dos seus advogados um documento em que manifestava a intenção de revogar o contrato de aquisição dos submarinos.  

Os procuradores realçam que nas negociações que decorreram após a adjudicação da compra o Estado português se encontrava numa “situação muito frágil pois já adjudicara o contrato e necessitava da colaboração do consórcio para o financiamento”. Admitem que analisadas de forma isolada algumas decisões se considerem lesivas do Estado português, mas concluem que o modo como decorreram as negociações não permite concluir que estas decisões “foram tomadas com vista a beneficiar o consórcio alemão”, lembrando que se poderá ter procurado “o equilíbrio possível face à atitude agressiva” do consórcio alemão, evitando uma ruptura negocial com ele.

Os magistrados dizem não se ter comprovado que Paulo Portas “tenha dirigido as negociações pós-adjudicação com vista a favorecer o adjudicatário ou os bancos financiadores, o que, aliás, só seria concretizável mediante acordo com os negociadores que o assessoravam”.

Quanto ao crime de fraude fiscal imputado aos quatro arguidos do processo, (Miguel Horta e Costa, Luiz Horta e Costa, Pedro Ferreira Neto e Hélder Bataglia) não foi possível seguir com a acusação porque os indícios existentes nos autos decorrem de declarações dos próprios decorrentes da utilização do Regime Excepcional de Regularização Tributária, que exclui  responsabilidades por infracções tributárias. De qualquer forma, mesmo que assim não fosse, a fraude fiscal estaria prescrita desde 2010.

Sobre os 30 milhões de euros pagos pelo consórcio alemão à Escom, uma empresa do grupo Espírito Santo, que se suspeitava terem sido utilizados para pagar “luvas”, os magistrados concluíram que “cerca de  27 milhões de euros ficaram ao que tudo indica na disponibilidade dos arguidos e de membros do Grupo Espírito Santo”. Mas os circuitos financeiros utilizados, envolvendo sociedades sedeadas em paraísos fiscais que não fornecem informação bancária e a celebração de empréstimos que aprovisionaram contas offshore “tiveram desígnios ocultos, que, em face da prova recolhida, não podemos afirmar quais foram”. Lamenta-se a inércia das justiças das Bahamas e da Alemã, que não enviaram os dados solicitados.

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