Entrevista

Problema não se resolve com incentivos à fecundidade

Coordenou um estudo sobre o declínio demográfico e económico do Interior de Portugal, o DEMOSPIN – Demografia economicamente sustentável, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que envolveu investigadores das universidades de Aveiro, Coimbra e Beira Interior e dos politécnicos de Castelo Branco e Leiria. Partiu daí para o livro “A demografia e o país” (Gradiva), que co-assina com José Manuel Martins e Carlos Jorge Silva e está nas livrarias desde Julho.

Estamos perante a confirmação da ideia de país meio cheio/país meio vazio…
Portugal tem uma faixa litoral muito urbanizada e um interior que, sendo rural, perdeu muita gente. Quem partiu? Os mais jovens. O saldo migratório negativo no Interior, na década de 60, para a população entre 25 e 30 anos, foi de 60% no caso dos homens e de 50% no caso das mulheres. Houve zonas em Bragança, por exemplo, com perdas de 80%.

Uma perda abrupta, muito associada à vaga migratória de 1957/1974?
Sim. Veja os números [aponta uma página do livro]. No Pinhal Interior havia, em 1960, 7466 jovens do sexo masculino entre os 15 e os 20 anos. Em 1970, essa geração que tinha 25 a 30 anos, era 1615. O mesmo aconteceu em Trás-os-Montes [16 481 para 4920] e no Douro [14009 para 4640]. Isso continua. Todos os anos saem jovens do interior. Os que regressam [de outras zonas do país ou do estrangeiro] são idosos. Há menos pessoas e estão mal distribuídas. Estão em Viseu, em Évora e por aí fora. Nem quando vieram aquelas pessoas todas das ex-colónias o saldo total do Interior foi positivo. O saldo total só ficou mais perto do zero entre 1990 e 2000.

Diz que o problema em Portugal não é a baixa densidade. Há ou não um problema de baixa densidade?
Comparando com o litoral, o interior tem baixa densidade. Comparando com zonas rurais ou menos urbanas de outras partes da Europa, não tem. Embora Trás-os-Montes e Alentejo já tenham densidade relativamente baixa, não é nada comparado com a Escócia ou a Escandinávia. A Europa da baixa densidade não é pobre. O problema é a Europa envelhecida e a Europa pobre.

O grande problema do Interior é o envelhecimento?
É o recorde europeu. Não há nada que se pareça. Das seis regiões mais envelhecidas da Europa, quatro são portuguesas [Pinhal Interior Sul, Serra da Estrela, Beira Interior Sul, Beira Interior Norte]. Parecido só a Alemanha de Leste, parte da Grécia, parte de Espanha, sítios aqui e ali.

[Aponta um mapa.] A Europa envelhecida é o interior de Portugal, o leste da Galiza, as Astúrias, grande parte de Castela e Leão, toda a Alemanha de Leste, com excepção da Área Metropolitana de Berlim, uma parte da Grécia, diversas regiões do norte de Itália, uma região aqui e acolá noutros países.

E a baixa fecundidade é recente em Portugal...
Recente, mas brusca. A fecundidade no Interior é baixa, mas pior é a estrutura. Isso é uma coisa na qual insisto muito. Esta ideia de que se dá incentivos à fecundidade e se resolve o problema é falsa. A percentagem de mulheres em idade de ter filhos [15-49] no Interior é muito baixa.

É preciso atrair jovens?
Não há outra solução! Se continuarmos com tão baixa fecundidade até 2040, em 2040 teremos um problema de estrutura.


O problema do interior passará a ser o problema do país?
Sim! Se acordarmos em 2040, já será tarde demais. Custará muito dar a volta. O que nós temos é um barril – a transição de uma pirâmide para uma pirâmide invertida. Temos a população estabelecida nos grupos etários férteis e trabalhadores como nunca tivemos. Temos de atrair pessoas.

Diz que o êxodo dos anos 60 foi o outro lado do abandono de uma agricultura de subsistência e que o que se passou a seguir foi incapacidade de pensar num modelo de desenvolvimento. A incapacidade persiste?
O que dizem é: “Vamos atrair empresas para o interior!” Num cenário de estagnação ou crescimento da economia, a população que lá está já não chega para a oferta. Isto é o problema do ovo e da galinha. Quem vai abrir uma fábrica onde não há gente para trabalhar? Pode fazer recrutamento? Onde? As pessoas vão? Têm casas, escolas, centros de saúde? Não basta atrair empresas. Tem de se atrair empresas e mão-de-obra. E tem de haver serviços que garantam qualidade de vida às pessoas – serviços de saúde, de educação, de justiça. E tem de haver acessibilidades.

As auto-estradas alteraram profundamente a estrutura do país. Criamos esta estrutura e decidimos fechar as auto-estradas?
As portagens têm um efeito positivo que se sobrepõe a muitos efeitos negativos. O que teria acontecido se não houvesse portagens? Alfredo Marvão Pereira, um economista especialista em questões deste género, prova o quão disparatado é pôr portagem em Portugal. No Interior de Portugal, pior. Com base nisso, fiz um estudo pequeno para perceber quanto seria preciso pagar se em vez de pôr portagens, se aumentasse o imposto nos combustíveis. Era preciso aumentar quatro cêntimos. Isso não é nada. O preço dos combustíveis ora sobe, ora desce.

Revela preocupação com o desinvestimento nas universidades, dizendo que são exemplo do que pode funcionar…
Os dados são menos negativos onde há universidades. As universidades retêm jovens, não todos, mas alguns. Se olharmos para o que se passa na Cova da Beira ou no Dão-Lafões ou no Alentejo Central [zonas com menos perda de população] vemos que têm centros do ensino superior. A política de desinvestimento no ensino superior não ajuda [a captar e a fixar população jovem].

Alguns municípios estão a esforçar-se…
São andorinhas. Não se resolve o problema concelho a concelho. O problema é muito vasto. Chamem-lhe o que quiserem, mas é preciso um programa integrado de desenvolvimento do interior. Isso tem custos. Programas bons sem custos, não conheço. Se calhar os alemães estão interessados nisto, os espanhóis, os italianos… Se o Governo procurar bons aliados, pode ser que se faça uma política europeia. Agora… não se pode ter 20 políticas que fazem mal ao Interior e uma que faz bem.

Por que diz que é preciso uma reforma administrativa?
Para haver uma política integrada para o interior tem de haver uma coordenação horizontal. Este Governo acabou com os governos civis, abrindo caminho para o fim dos distritos. Fez uma reforma judicial tendo por base os distritos. Tem lógica? A ministra da justiça faz a sua coisa. Está na dela. A saúde tem outra divisão administrativa. Temos um caos administrativo. Assim vão cortando as pernas da mesa até não haver pernas.