Financiamento e instalações

A Logoplaste, uma empresa de produção de embalagens de plástico que é uma das maiores do sector nível europeu, viu-se, há cerca de um ano, com um projecto de um novo edifício, vizinho à sua sede, sem utilidade.
As fundações já existiam, as obras estavam em curso, mas uma decisão empresarial levou a que a sede fosse ampliada e que o novo edifício, quase gémeo do primeiro, no concelho de Cascais, ficasse sem utilidade.
Filipe de Botton conta como a empresa decidiu, "em vez de ajudar de forma dispersa" várias instituições, como era hábito, "tentar criar algo que ajude, de forma estruturada, a sociedade". O facto de haver uma tradição, a título pessoal, de donativos à APPT21, ajudou à concretização do projecto, com duas exigências: a "forte componente social" e o objectivo de "excelência" e distinção internacional do centro, através da investigação. As instalações, fruto de um projecto do arquitecto Frederico Valsassina foram cedidas, por um aluguer simbólico, ao Cadin.
São 1400 metros quadrados, que albergarão, em dois andares de fácil acessibilidade, 18 gabinetes, auditório e laboratórios vários. A Fundação Huguette e Marcel de Botton tem um plano a dez anos para avaliar o sucesso social e científico do Cadin e, ao mesmo tempo, assegura verbas para projectos de investigação e para necessidades do centro de desenvolvimento.

J.A.C.


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Primeiro centro de desenvolvimento infantil em Portugal abre em Janeiro

É um cenário familiar para muitos pais de crianças com perturbações de desenvolvimento. Tudo começa no pediatra. E depois passa para um pedopsiquiatra noutro consultório, talvez ainda o neuropediatra. Mais tarde, no outro lado da cidade ou um mês depois, a marcação no pedofisiatra... A dificuldade de acesso aos vários cuidados de saúde para estas crianças é uma preocupação que há anos tem resposta: os centros de desenvolvimento infantil, que agregam no mesmo espaço as especialidades médicas e terapêuticas necessárias. Em Janeiro abre o primeiro centro de desenvolvimento em Portugal.

O Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (Cadin), em Cascais, é o primeiro centro do género em Portugal e o maior da Península Ibérica nestes moldes porque, para além de fornecer serviços clínicos e terapêuticos, propõe-se a desenvolver acções de formação, supervisão e coloca uma grande ênfase na investigação.

É um projecto inédito, que centra numa unidade de saúde que quer ter um forte cariz social valências e laboratórios especializados no trabalho com crianças com problemas de desenvolvimento de várias origens. "A intervenção no Cadin é feita de forma articulada", explica Miguel Palha, pediatra do desenvolvimento e director clínico do Cadin, além de vice-presidente da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APTT21). Com uma equipa de 40 técnicos e médicos, a proposta do centro é que cada um dos especialistas faça "as suas avaliações e os seus programas de intervenção" em ligação com as restantes equipas.

Concentrados no mesmo local, os especialistas vão tratar de deficiências cognitivas - como a trissomia 21 (síndrome de Down), síndrome de Williams, síndrome do X frágil - autismo, perturbações neurológicas, de linguagem, de aprendizagem ou da motricidade, da atenção e até de problemas nas aquisições académicas como a dislexia ou a disgrafia. Haverá ainda espaço para as crianças sobredotadas ou com problemas emocionais e de comportamento.

Só no universo da deficiência cognitiva há 350 mil crianças em Portugal com problemas que as acompanham toda a vida. Se as especialidades "absolutamente essenciais" para a terapêutica destas crianças são a pediatria do desenvolvimento, a neuropediatria e a pedopsiquiatria, o Cadin aposta na abordagem interdisciplinar e chama os seus técnicos especializados a "diferentes funções ou casos" devido à co-morbilidade que frequentemente surge nestas doenças."Muitas vezes surgem crianças com problemas que sugerem traços de várias patologias e o diagnóstico de precisão é essencial", refere Miguel Palha. A coexistência de duas perturbações, como por exemplo a hiperactividade e a perturbação da linguagem, o autismo e a síndrome de X frágil, tornou necessária, apesar de pouco praticada em Portugal, a criação de programas de intervenção abrangentes.

Sediado em Cascais, o Cadin prevê atender e seguir 500 crianças por ano. Para as famílias com uma criança portadora de deficiência que residam fora da zona do centro, o Cadin prevê uma outra forma de apoio. Os técnicos estão preparados para fazerem a "supervisão do programa de intervenção junto dos agentes locais", acrescenta o director clínico, ou seja, dos técnicos e orientadores escolares, pais e prestadores de cuidados a estas crianças na sua área de residência.

Projectos de vida

"Sóri, sóri, sóri!" A Inês não queria, mas acerta com o avião de papel numa das técnicas da APTT21. Cai-lhe primeiro no ombro e depois na ficha da Inês, em que Sofia escreve uma recomendação ao orientador da escola do 1º ciclo do ensino básico que a Inês frequenta para lhe pedir, novamente, que a contacte.

É uma realidade cheia de pequenos contratempos, a do acompanhamento destes jovens, integrados no meio escolar e social que nem sempre está preparado para eles. A Inês, com uma genica incrível, lá continua a exibir o seu inglês recém-adquirido, pedindo desculpas ao pai e à técnica Sofia enquanto, matreira, volta a preparar-se para continuar o treino de lançamento de aviõezinhos.

Apesar de ser defensor acérrimo da integração de todas as pessoas com deficiência, Miguel Palha sabe que os técnicos e orientadores dispersos pelo ensino básico e secundário podem eles próprios precisar de orientação para responder às necessidades destas crianças.

"Vamos ter os dois tipos de apoio: apoio directo a quem mora perto do Cadin e indirecto a quem mora longe do centro", adianta o director clínico ao PÚBLICO. "Portugal devia ter muitos mais centros destes. Devia haver um pelo menos em cada capital de distrito, mas Portugal vem atrasado 50 anos na criação de um centro de desenvolvimento."Este centro, constituído como uma Instituição Particular de Solidariedade Social, tem como grande objectivo "construir um projecto de vida" para estes jovens, postula Miguel Palha. Os programas do Cadin podem ter a duração de uma vida. "Provavelmente é para sempre", comentou o responsável sobre a relação entre o centro e os seus pacientes, alguns já vindos da APTT21.

Investigação a nível internacional

Os custos de um projecto deste tipo, com um edifício construído de raiz, equipamentos e laboratórios para cada especialidade e um investimento que ronda os 2,5 milhões de euros, foram suportados por uma entidade privada. Uma empresa custeou a construção e parte do equipamento do centro - que existe apenas em projecto, porque decorrem ainda contactos com parceiros para concretizar o plano da direcção do Cadin -, que servirá ainda de nova sede à APPT21. (ver caixa)

Os utentes terão de pagar os serviços do centro na íntegra, mas segundo uma indexação à sua capitação financeira familiar, o que vai escalonar os pagamentos, estando prevista para as famílias mais carenciadas a criação de uma bolsa social.Quanto ao papel do Estado, Miguel Palha comenta que "há contactos preliminares com o Ministério da Saúde" no sentido de estabelecer acordos com o Serviço Nacional de Saúde, mas que "nada está decidido". O director clínico confessa que está "muito céptico em relação ao apoio do Estado ao centro" devido ao momento de contenção orçamental. Ainda assim, para a sobrevivência do centro, que prevê cerca de 445 mil euros anuais de perdas, estão previstas articulações com parceiros públicos que aceitem "troca de trabalho", além da instituição de estágios pós-laborais para especialistas da área.
O Ministério da Segurança Social e do Trabalho contribui com uma verba de sete mil euros mensais, destinadas à associação, segundo o adiantou Filipe de Botton, director-geral da empresa Logoplaste e responsável pela fundação que é o principal investidor da IPSS.

A investigação - uma das bandeiras deste novo centro - depende também de um financiamento próprio, que passará pelo apoio da Fundação Huguette e Marcel de Botton, protocolos com outros centros de investigação e com faculdades de medicina, mecenato e bolsas de investigação nacionais e da União Europeia. O director científico do Cadin, o neuropediatra Nuno Lobo Antunes, esclarece que "a capacidade de intervenção em miúdos com perturbações de desenvolvimento é relativamente diminuta e os resultados das nossas intervenções não são, nem de longe nem de perto, tão bons quanto nós desejaríamos". Por isso, justifica, "é absolutamente crucial que se desenvolvam novas maneiras de estudar estes doentes e de os tratar" através da investigação.

Nesta área, Filipe de Botton congratula-se, por sua vez, com o facto da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente já se terem perfilado como parceiros do Cadin.

Nuno Lobo Antunes quer que "todas as pessoas que trabalham no Cadin, mesmo as que aparentemente só fazem clínica, tenham mentalidade de cientistas" e aproveitar o potencial do tratamento de cada doente para pensar novos modelos pedagógicos e terapêuticos nestas realidades. Na expectativa de ligações com cientistas portugueses e estrangeiros a trabalhar em áreas afins, o neuropediatra quer "oferecer um manancial de possibilidades de investigação a quem depois pode e quer trabalhar num laboratório".

Uma directiva do centro é que cada técnico seja responsável por uma linha de investigação e por um grupo de estudo, em áreas que ainda estão a ser definidas, mas que passarão certamente, conforme assegurou Nuno Lobo Antunes, pelos estudos epidemiológicos e pela ligação à genética, além de linhas de investigação próprias para as síndromes em que o centro vai trabalhar.

O director clínico do Cadin, Miguel Palha, reitera que o centro deve servir para "qualificar sensivelmente a vida destas crianças em sociedade".

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