Prematuridade: “O nosso filho nasceu antes do tempo... O que fizemos de errado?”

Durante a noite João e Catarina acordam assustados com a sensação da cama molhada, às 34 semanas de gestação.

Catarina: João o que é que se passa?! Estou toda molhada, não percebo!...
João: Querida rebentaram-te as águas! Temos que ir já para o hospital!
Catarina: Não pode ser! Ainda não é a hora! Isto não pode estar a acontecer! O que fizemos de errado?!
João: Vai correr tudo bem! Vou já ligar para a Dra. Sílvia! Veste-te!
Catarina chora assustada durante a viagem até à maternidade. A Dra. Sílvia aguarda-os, examina Catarina e informa o jovem casal de que tem de partir imediatamente para cesariana por descolamento agudo da placenta. Pede a João que aguarde cá fora ao contrário do que haviam planeado.
No dia seguinte Catarina e João preparam-se para ver o bebé que permaneceu nos Cuidados Intermédios.
A enfermeira explica-lhes que o Guilherme tem baixo peso e ainda faz algumas pausas respiratórias por isso tem necessidade de O2, está a fazer antibioterapia e fototerapia. Explica-lhes que é pequenino e que vão encontrá-lo com um gorrinho na cabeça, uma venda nos olhos e os óculos nasais, para além dos cateteres por onde recebe os antibióticos. Explica-lhes que podem ficar impressionados, mas que com o passar do tempo e com a boa evolução que se espera que faça, tudo será mais fácil e familiar para eles. E que o importante é que ele está quentinho, sem dores, mas que passa muito tempo a dormir. Vão poder tocar-lhe e falar-lhe para que ele volte a ouvir as suas vozes que já não ouve desde ontem.
Catarina aproxima-se firmemente da incubadora e os seus olhos enchem-se de lágrimas ao olhar para o filho tão pequenino, com tantos fios à volta e que lhe transmite tanta fragilidade. Examina-o rapidamente. Mexe-lhe nas mãos… João permanece estático atrás da mulher, com os olhos humedecidos sem coragem para lhe tocar.
Saem, abraçam-se e choram…

Catarina: É tão diferente do que eu sonhei…
João: É… Mas vai crescer…
Catarina: Queria tanto pegar-lhe…
Enfermeira: Já tem leite?
Catarina: Acho que não…
Enfermeira: Assim que tiver retiramos com a bomba porque ele deve estar desejoso pelo leite da mãe!
Catarina: A sério?!... (limpa as lágrimas). Achei que ía ter que secar…
Enfermeira: Nem pensar! É com o leite da mãe que vamos ter homem!

O nascimento de um bebé prematuro representa um choque brutal para os pais, bem como para toda a família. Há uma interrupção abruta de todo o investimento tido ao longo da gravidez e da preparação para o parto. Os pais são impedidos de fazer, até ao final, o caminho que assegurava ao futuro bébé fazer parte do mundo imaginário da família, tanto mais quanto mais prematuro for o seu nascimento.

Neste contexto, o parto surge no momento em que os pais, e sobretudo a mãe, não se encontram psicologicamente preparados. Não foram vividas todas as experiências que antecedem e preparam para o embate do traumatismo que o parto sempre representa.

Este não é um momento alegre como experiência única e maravilhosa do primeiro investimento. Tanto os pais, como o bebé prematuro, terão de se confrontar com muitas adaptações.

Durante a gravidez a mãe mantém uma ligação simbólica com o bebé, e ao longo da mesma, sobretudo no terceiro trimestre, vai antecipando a separação de ambos. O parto prematuro, representa um afastamento repentino mãe-bebé impedindo a mãe de se preparar psicologicamente para o final da gravidez, emergindo um sentimento de perda de uma parte essencial de si mesma.

Há um período de choque, os pais são apanhados de surpresa e surgem sentimentos de impotência, culpabilidade e de grande angústia pelo receio da não sobrevivência. Para alguns pais, a ameaça de morte torna-se num luto antecipado do bebé podendo traduzir-se num medo em criar uma ligação afetiva ao filho pelo medo da não sobrevivência.

As situações de maior gravidade, de grande prematuridade, onde o tempo de internamento é mais longo ou onde podem ocorrer sequelas mais graves, são geralmente acompanhadas de grande intensidade emocional. Sentimentos de culpabilidade individual, culpabilização e acusação ao outro elemento do casal podem acontecer e prolongar-se no tempo. Nestes casos, pode ser necessário procurar acompanhamento psicológico especializado que ajude o casal a ultrapassar esta fase de grande sofrimento e fragilidade que pode conduzir ao seu afastamento ou à incapacidade para se compreenderem.

O nascimento de um bebé prematuro torna os pais inseguros no seu novo papel e na forma como hão-de responder a tudo o que sentem que lhes é exigido e os ultrapassa. Os primeiros encontros com o bebé real favorecem a rutura com o bebé de sonho que foi imaginado. Esta é uma primeira fase de embate que exige aos pais que façam o luto do bebé sonhado e perfeito que aguardavam, e elaborem o sentimento de culpa, consciente ou inconsciente, justificado ou não, deste bebé fragilizado.

A adaptação a todo o ambiente que rodeia as unidades de cuidados intensivos neonatais também é uma tarefa árdua e que leva tempo. O sentimento de ambivalência relativamente aos técnicos e às máquinas que suportam e contêm o bebé surge quase sempre. Se por um lado, são olhados como os “instrumentos” imprescindíveis para salvar a vida do filho, por outro confrontam os pais com as limitações de não serem, nesta altura tão desejada, os primeiros e principais cuidadores.

É por isto fundamental – tal como vimos no exemplo da relação criada pela enfermeira com Catarina e João –, que os pais sejam acolhidos com carinho, nesta fase de extrema fragilidade, e sejam chamados, assim que o estado do bebé permita, a participar o mais ativamente possível nos cuidados e rotinas do bebé. É esta participação que permite experimentarem as suas capacidades e assegurá-los no seu papel de pais.

O aleitamento é um meio de relação e de comunicação entre mãe e filho. O facto de poder dar leite, quer pela sonda, biberon ou mama valoriza o papel dos pais e fá-los superar a ausência do seu bebé.

Após o parto, sucede-se um período de separação, em que o bebé fica no hospital. Regressar a casa sem o filho representa a inversão de tudo o que foi sonhado e idealizado. Os pais sentem-se ainda confusos e, sobretudo para a mãe, o sentimento de vazio é maior. Esta é a segunda experiência traumática e dolorosa a que os pais são submetidos.

Durante o internamento do bebé os pais são forçados a adaptações contínuas exigidas ao longo da sua recuperação. Este caminho não é muitas vezes linear, fazendo-se com avanços e recuos face ao estado do bebé. Apesar da angústia e ambivalência sempre presentes os pais vão superando estes sentimentos, através de eternos recomeços que asseguram o seu vínculo ao bebé.

O casal tem aqui uma grande oportunidade de aumentar o conhecimento um do outro, das suas forças e vulnerabilidades, mas sobretudo, das suas diferenças!

Sofia Nunes Silva é psicóloga clínica e terapeuta familiar. Escreve segundo o Acordo Ortográfico.
 

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