Portugueses são quem mais recorre às cantinas sociais no Luxemburgo

No último ano, 500 portugueses frequentaram a cantina social da associação na capital luxemburguesa (18,5%).

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Miguel Madeira/Arquivo

Os emigrantes portugueses no Luxemburgo foram quem mais recorreu em 2015 às cantinas sociais da "Stëmm vun der Strooss", em português "Voz da Rua", que serve refeições a sem-abrigo e pessoas em situação precária, segundo dados da associação.

No último ano, 500 portugueses frequentaram a cantina social da associação na capital luxemburguesa (18,5%), um número superior aos 484 luxemburgueses que por lá passaram no mesmo período, representando ainda 23% do total em Esch-sur-Alzette, a segunda maior cidade do país (241 pessoas).

Segundo Charlotte Marx, assistente social da associação, o perfil dos portugueses que recorrem às cantinas sociais não se limita aos que não têm casa para viver. "Há sem-abrigo que têm problemas de toxicodependência, pessoas que trabalham e têm dificuldade para fazer face às despesas e aproveitam para vir comer aqui, e pessoas idosas que recebem pensões de reforma muito baixas e não têm dinheiro suficiente para viver", enunciou.

Teixeira tem 64 anos, deixou Portugal em 2012 à procura de trabalho, depois de o café que explorava ter ido à falência, mas quatro anos depois de ter chegado ao Luxemburgo continua sem conseguir contrato. "Vim à boleia com outro rapaz, à aventura, a pensar que me desenrascava. Lá já estava a pensar em suicídio, havia dias que não comia", confessou.

O sexagenário trabalha de modo ilegal na construção ou a fazer mudanças, sem saber quando vai ter dinheiro para pagar a renda do estúdio que arrendou do outro lado da fronteira, em França, onde a habitação é mais barata que no Luxemburgo. "Hoje posso ter 20 euros no bolso, amanhã 50. Se tivesse salário já escusava de vir aqui", disse.

Na cantina social, aberta à hora de almoço de segunda à sexta-feira, o prato do dia custa 50 cêntimos, sendo servida sopa e sandes gratuitamente a quem não pode pagar uma refeição. "Há muitos que não têm sequer 50 cêntimos, e eu às vezes tenho pena e dou-lhes, sem eles saberem", disse uma portuguesa que trabalha na cantina e não quis ser identificada.

Às cantinas sociais recorrem também portugueses que recebem pensões baixas e não conseguem chegar ao fim do mês, como um reformado por invalidez que pediu o anonimato. O português de 55 anos, que foi operado ao coração e vive com um pacemaker, mora num quarto por cima de um café, "sem condições" nem acesso à cozinha, e se não fosse a cantina social, "o dinheiro não chegava".

O emigrante, que chegou ao Luxemburgo em 2005, recebe uma pensão de 1300 euros por mês, um valor inferior ao limiar de pobreza no Luxemburgo, que ronda os 1700 euros por pessoa, e quase tudo o que ganha vai para pagar o quarto e ajudar a família em Portugal. "Pago 400 euros pelo quarto e tenho de enviar 300 euros à minha mulher em Portugal para pagar a renda e dinheiro para os filhos. Ela trabalha das sete da noite às nove da manhã a tomar conta de idosos, sem caixa, sem nada, e recebe 300 euros por mês", contou.

Apesar disso, o português queixa-se de ter sofrido cortes na reforma que recebe em Portugal. "Portugal cortou-me 50 e tal euros, porque como estou a receber cá, eles acham uma fortuna. Se eles chamam pensão a 104 euros, não sei como chamam àqueles que têm duas ou três pensões, e uma pessoa está com uma pensão de miséria e dizem que não se pode ter pensão acumulada", criticou.

O emigrante gostava de regressar a Portugal, para junto da mulher e dos filhos, mas a pensão que recebe, o Rendimento para Pessoas com Deficiência Grave (RPGH, em francês), obriga-o a viver no Luxemburgo, e também não consegue trazer a família para o Grão-Ducado, onde as rendas ultrapassam os mil euros.

Frederico vive na rua há ano e meio e vai todos os dias à cantina social. O português de 34 anos chegou ao Luxemburgo em 2008 e ainda trabalhou numa empresa de granito até 2013, mas foi despedido. Depois perdeu o subsídio de desemprego e acabou a consumir heroína e a viver nas ruas, confessou. Sem ter uma morada, não tem direito a apoios sociais no Luxemburgo e passa os dias "a arrumar carros" ou a pedir nas ruas. "Precisava de uma morada para pôr a vida nos eixos e ter ao menos um quartito", disse.

No Inverno, Frederico pode pernoitar no abrigo garantido nesta época pelo Governo luxemburguês ou no Abrigado, um albergue para toxicodependentes, mas no resto do ano não há alternativas para os estrangeiros que vivem nas ruas. "É um círculo vicioso para os estrangeiros, porque para terem autorização de residência têm de ter uma morada, e para terem uma morada precisam de ter um alojamento, mas para isso precisam de ter dinheiro e um emprego", explicou.

No Luxemburgo vivem cerca de 100 mil portugueses, que representam 19% da população.

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