Portugal é um dos seis membros da UE que nunca reembolsou tratamentos no estrangeiro

Relatório da Comissão Europeia divulgado esta sexta-feira faz um retrato dos cuidados de saúde transfronteiriços.

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Clínicos alertam para a degradação da situação que pode pôr em causa a segurança dos doentes e a qualidade dos actos médicos Enric Vives-Rubio/Arquivo

Portugal, Áustria, Bulgária, Chipre, Estónia e Grécia são os únicos países da União Europeia (UE) que nunca reembolsaram nenhum tratamento que os doentes tenham feito noutros Estados-membros. A conclusão faz parte de um relatório da Comissão Europeia, divulgado nesta sexta-feira, que pretendeu traçar um retrato dos cuidados de saúde transfronteiriços, dois anos depois de terminado o prazo para os países transporem a nova legislação europeia para os seus países. Em geral as novas regras permitiram “moldar a reforma dos cuidados de saúde em muitos países da EU”, mas continuam a persistir muitas assimetrias.

O relatório da Comissão Europeia, no que diz respeito a reembolsos, indica que dos 26 Estados-membros que responderam só 23 conseguiram dar números completos sobre este tema. “A Alemanha e os Países Baixos não puderam fornecer dados; a Bélgica não conseguiu apresentar dados completos”, explica-se. Entre os dados possíveis, há muitas discrepâncias. Por exemplo, França fez 422.680 reembolsos, o Luxemburgo 117.962 e a Finlândia 17.142. “Nos restantes vinte Estados-membros, procedeu-se a 39.826 reembolsos especificamente nos termos da Directiva: deste total, só a Dinamarca foi responsável por 31.032 reembolsos”, adianta a comissão, que diz que em 14 países foram feitos menos de 100 reembolsos e em seis deles nenhum – onde se inclui o caso de Portugal.

Com excepção de França, Luxemburgo, Finlândia e Dinamarca, “a mobilidade dos doentes para cuidados de saúde programados — ao abrigo da Directiva e dos Regulamentos relativos à Segurança Social — continua a ser baixa, embora a mobilidade dos doentes em termos de cuidados de saúde não programados pareça ser consideravelmente mais elevada”. Para a Comissão Europeia, “o nível de utilização dos cuidados de saúde programados noutros locais está muito abaixo dos valores potenciais sugeridos pelo número de pessoas que indicam no inquérito do Eurobarómetro que considerariam utilizar cuidados de saúde transfronteiriços”.

Como causas deste insucesso, o documento fala numa transposição tardia da legislação pela maioria dos países e alerta para uma deficiente divulgação das regras para os cidadãos poderem beneficiar de cuidados de saúde no estrangeiro. Por outro lado, o relatório considera que “há um número considerável de Estados-membros em que os obstáculos colocados aos doentes pelos sistemas de saúde são significativos, e que, em alguns casos, pelo menos, parecem ser o resultado de escolhas políticas intencionais: alguns dos atuais sistemas de autorização prévia são mais extensos do que o actual número de pedidos parece justificar”.

As autorizações prévias para a realização dos tratamentos que exijam, por exemplo, uma noite de internamento são pedidas por muitos países e encaradas como um entrave pela comissão. “As tarifas de reembolso mais baixas do que as utilizadas no Estado-membro de origem são um mecanismo claro de dissuasão; há uma série de exigências administrativas excessivas, que podem igualmente dissuadir os doentes”, reitera o relatório.

Um ano depois de a legislação estar em vigor em Portugal, como o PÚBLICO já tinha noticiado, nenhum português conseguiu ainda ser reembolsado por tratamentos programados de saúde, como cirurgias e exames, realizados no estrangeiro. Desde Setembro de 2014, altura em que a legislação que prevê esta possibilidade entrou em vigor, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) recebeu apenas seis pedidos de reembolso e dois pedidos de autorização prévia cuidados de saúde noutro país da União Europeia (UE). Até ao final de Agosto, nenhum tinha sido aprovado e continuavam todos em avaliação.

A lei prevê que o Estado português reembolse um doente tratado noutro país da União Europeia caso não lhe consiga dar resposta em tempo útil – o que significa, na prática, que um doente em lista de espera que ultrapasse o prazo máximo previsto no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para um exame de diagnóstico ou uma cirurgia possa ser observado ou operado noutro país da UE. Os modelos de requerimento de pedidos de reembolso e de autorização prévia estão disponíveis no Portal do Utente. Segundo a lei, o reembolso das despesas deve ser efectuado até três meses depois da apresentação dos comprovativos.

Além de os portugueses só poderem optar por tratar-se no estrangeiro com comparticipação se estiverem a aguardar há mais tempo do que o máximo previsto na legislação nacional, há um problema suplementar: as despesas de transporte e de alojamento são suportadas pelo doente e o tratamento é pago posteriormente mas apenas no valor estipulado na tabela de preços do SNS, o que, desde logo, limita o acesso a pessoas com mais rendimentos.

Aprovada em Março de 2011, a directiva de cuidados de saúde transfronteiriços foi transposta com um ano e meio de atraso por Portugal e criou muitos limites ao estipular os tratamentos que necessitam de autorização prévia, sob pena de os doentes não receberem mais tarde o reembolso pelas despesas. Em teoria, a autorização deve demorar, no máximo, 20 dias úteis.

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