Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de jovens que não estudam nem trabalham mais tem crescido

Quase 17% da população até aos 29 anos não tem qualquer actividade. Diplomados portugueses estão entre os mais afectados pelo desemprego, aponta relatório Education at a Glance, que este ano dá particular atenção às consequências da crise económica.

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O número de jovens que não estudam nem trabalham não tem parado de crescer. Os chamados “nem-nem” representam já quase 17% da população nacional entre os 15 e os 29 anos, segundo o estudo anual da OCDE sobre o sector da Educação, que foi apresentado nesta terça-feira. Portugal é mesmo um dos países onde esta realidade mais se acentuou. O Education at a Glance 2014 dá particular atenção às consequências da crise económica sobre a educação e o emprego dos jovens.

Em menos de uma década, os jovens que não estudam nem trabalham passaram a valer mais quase quatro pontos percentuais na sua faixa etária. Em 2005, os “nem-nem” representavam 12,9% da população 15 aos 29 anos, um número que cresceu 0,6 pontos nos cinco anos seguintes. Em 2012, o ano em que se baseiam os indicadores reunidos pela OCDE neste relatório, estes jovens valiam já 16,6%. Destes, 11,8% estão desempregados – a maioria (7,7%) encontra-se nesta situação há mais de seis meses –, enquanto os restantes estão inactivos.

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Fruto destes resultados, Portugal é o décimo país do mundo com maior percentagem de jovens até aos 29 anos que estão inactivos. A tabela é liderada pela Turquia (29,2%), ao passo que a Holanda tem o melhor resultado (6,71%). Contrariamente ao que aconteceu em Portugal, a crise económica mundial fez aumentar o número de jovens no sistema de ensino. Entre 2008 e 2012, a proporção de população entre os 15 e os 29 anos que já não se encontrava a estudar diminuiu de 41 para 36%. As dificuldades de acesso ao mercado de trabalho tornaram o custo de oportunidade de uma formação mais apetecível, fazendo com que muitos jovens tenham optado por se manter no sistema de ensino.

Por isso, entre 2011 e 2012, a média de “nem-nem” nos países da OCDE diminuiu 0,5 pontos percentuais, fixando-se agora em 15%. Portugal está quase dois pontos acima da média e é o terceiro país onde esta proporção mais cresceu no último ano analisado pelo relatório: 1,4 pontos percentuais. Apenas Itália (1,5) e Espanha (1,4) registam uma evolução semelhante.

Este “Olhar sobre a Educação” que a OCDE lança anualmente sobre os sistemas de ensino de 44 países – os seus 34 membros, aos quais se juntam países de grande dimensão que estão fora da organização como Brasil, China, Índia, Rússia, Arábia Saudita e África do Sul – presta este ano particular atenção aos efeitos da crise económica. Para isso, foram desenvolvidos novos indicadores, que avaliam, por exemplo, a ligação entre os níveis de educação e emprego e o nível de escolaridade e a mobilidade social.

Neste retrato, Portugal está quase sempre entre os países onde a crise teve um mais forte impacto sobre o sector da educação e o acesso dos jovens ao mercado de trabalho. O desemprego atinge 10,5% dos diplomados nacionais, ao passo que a média da OCDE se fica pelos 5%. Só há outros dois países analisados em que esta taxa chega aos dois dígitos e ambos partilham com Portugal a localização geográfica e a exposição à crise financeira e às medidas de austeridade: a Grécia, onde a taxa de desemprego dos diplomados ultrapassa os 15%, e Espanha (12,4%).

Apesar destas dificuldades, o ensino superior continua a ser uma mais-valia para os portugueses no acesso ao mercado de trabalho. Os diplomados têm uma taxa de desemprego que é 5,5 pontos mais baixa do que a de quem tem menos do que o ensino secundário e os seus salários são mais altos 70% do que os colegas com menor formação.

Outro indicador revelador dos impactos da austeridade sobre o sistema de educação e formação nacional é o do financiamento do Estado ao sector. Portugal destina 3,66% do seu PIB à Educação, ficando abaixo da média da OCDE (3,85%). O país aparece também entre aqueles onde o investimento público mais caiu entre 2009 e 2011: cerca de 5%.

A análise feita pelo Education at a Glace deste ano mostra bem como o início da crise marca o ponto de inflexão do investimento em Educação. Entre 2008 e 2009, o financiamento público do sector estava a crescer 13 pontos acima do valor de referência. Nos três anos seguintes, inverteu a tendência e ficou oito pontos abaixo do limiar médio. Em situação semelhante encontram-se países como a Irlanda, a Espanha e a Itália.

Em consequência disto, a parcela de financiamento no sistema de ensino que é assegurado por privados – algo que se manifesta apenas no ensino superior – aumentou 24 pontos percentuais entre 2000 e 2011, fixando-se agora em 31,44%. A retracção do papel do Estado nas universidades e politécnicos em Portugal é apenas ultrapassada pela que se verificou no Reino Unido (onde os privados representam 37,5% dos gastos). Ambos os países são destacados no relatório pelo facto de terem aumentado “substancialmente” o valor das propinas cobradas nas instituições de ensino superior, o que releva outra das tendências identificadas no relatório: o aumento da percentagem de investimento assumida por particulares deve-se sobretudo às despesas suportadas pelas famílias dos alunos.

Uma geração “desligada”

O contínuo crescimento da camada da população jovem que não está a estudar nem a trabalhar está a criar uma geração “desligada” e com “falta de perspectivas em relação ao futuro”, dizem sociólogos contactados pelo PÚBLICO. Os números divulgados pelo relatório Education at a Glance da OCDE não são uma novidade para os especialistas, mas os 17% de jovens inactivos entre os 15 e os 29 anos que são apontados no documento permitem perceber a dimensão de um problema que é “preocupante”.

A socióloga do trabalho da Universidade do Minho (UM) Ana Paula Marques relaciona dois dos principais indicadores apontados pelo estudo internacional tornado público esta terça-feira. O aumento do número de jovens que não estudam nem trabalham está ligado ao nível extraordinariamente alto de diplomados que estão no desemprego em Portugal, considera a especialista. A situação tem contornos “preocupantes” e está a assumir uma dimensão “importante”.

“Este é um fenómeno novo em Portugal e tem vindo a registar-se a partir de 2010, o que talvez não seja acaso”, avalia Ana Paula Marques, lembrando que as dificuldades de inserção dos licenciados no mercado de trabalho estão associados à crise económica. Esta realidade está a criar as condições para que a chamada geração “nem-nem” seja também uma geração “desligada” da sociedade. “Não é só a falta de emprego. Estes jovens também perdem a ligação com a cidadania e a sua integração, com todas as consequências que isso tem”, alerta a especialista.

“Quanto mais tempo passarem nesta situação, mais complicada ficará a situação destes jovens”, concorda Carlos Manuel Gonçalves, sociólogo da Universidade do Porto (UP), que, entre outros estudos, coordenou “Licenciados, Precaridade e Família”, editado em 2010. Dos 16,6% de jovens inactivos, 7,7% estão no desemprego há mais de seis meses. Este desemprego de longa duração, associado à falta de inserção no sistema de educação e formação “está a criar um grupo de pessoas não qualificadas”, aponta o professor da UP.

Para o investigador, o crescimento dos jovens que não estudam nem trabalham tem uma explicação “conjuntural”, associada à crise económica, que está a dificultar o acesso dos jovens europeus ao mercado de trabalho. Portugal “não é caso único”, sublinha. Todavia, o sociólogo do Porto acrescenta a esta uma outra explicação de carácter estrutural: “Há uma desafeição de muitos jovens em relação à escola e à formação”, considera, atribuindo esta circunstância à “falta de expectativas relativamente ao futuro”.

Ana Paula Marques concorda com esta ideia de “ausência de futuro”, que condiciona as possibilidades de acção no presente. Esta dimensão coloca mesmo dificuldades ao sucesso das políticas públicas de formação e inserção do mercado de trabalho. Ainda assim, os dois especialistas dizem ser importante reforçar essas apostas, de modo a manter os jovens inactivos mais próximos do emprego ou do sistema de educação. “Não podemos deixar este vazio tomar espaço”, avisa a socióloga do trabalho da UM.

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