Porto é a cidade mais ruidosa num país que é dos mais expostos ao barulho

Porto é mais barulhento do que Lisboa e Coimbra. Motivos? O trânsito e as conversas entre as pessoas. São resultados de um estudo internacional que põe Portugal no topo da lista dos mais expostos ao ruído excessivo.

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Portugal é o terceiro país com o maior índice de exposição ao ruído excessivo no conjunto de 11 países avaliados num estudo que inquiriu 8800 pessoas. Está mesmo em pior situação do que a Espanha, a Bélgica e a Holanda. Os EUA e a Itália figuram no topo desta lista negra, com 16% e 10% da população exposta  a níveis elevados de ruído nas grandes cidades.

Em Portugal, onde foram inquiridas 800 pessoas, o problema afecta 7% dos entrevistados, revela um estudo internacional a que o PÚBLICO teve acesso. Responsáveis por este resultado? São sobretudo o trânsito, as “conversas entre as pessoas” e a música de fundo. Outras fontes de ruído excessivo passam, sem surpresa, pelos transportes públicos, pelo toque contínuo de telemóveis e pelos aviões, ainda que em menor escala. 

“Portugal é dos países mais expostos ao ruído ambiental (não industrial ou de origem profissional)”, e até lidera o ranking da exposição ao barulho do trânsito,  destaca o audiologista Celso Martins, o director técnico da Amplifon, a empresa de "soluções auditivas" que promoveu o estudo Coping wiht Noise conduzido em 47 cidades de 11 países. Para se perceber o grau de poluição sonora, foi analisado o "índice de exposição ao ruído", avaliando-se a percepção, a quantidade, a recorrência e a duração do barulho a que as pessoas estão expostas nas grandes cidades.

Conduzido pela GfK Eurisko, o estudo serviu também para avaliar a saúde auditiva a partir da percepção das pessoas entrevistadas. Este “índice de audição” (que leva em conta a capacidade de compreender alguém quando há muito ruído de fundo ou de  ouvir devidamente alguém num espaço relativamente silencioso) coloca-nos de novo em má posição: os países com resultados mais negativos são a Nova Zelândia, Portugal e a Bélgica.

De resto, nas três cidades portuguesas avaliadas, o Porto destaca-se como a mais barulhenta (o problema é assumido por 8% dos inquiridos), seguido de Lisboa (7%) e de Coimbra (5%). No pódio das mais ruidosas a nível internacional, o Porto surge mesmo em terceiro lugar, a par de Londres e de Bruxelas.

As explicações não surgem detalhadas, mas percebe-se que são sobretudo o barulho do trânsito e as “conversas entre as pessoas” que justificam esta situação, até porque Lisboa bate o Porto no ruído proveniente da "música de fundo". São resultados que Celso Martins atribui sobretudo à organização do trânsito e também a uma "questão cultural" não negligenciável: os portuenses "gostam de falar alto”, são “mais expressivos”. Quanto ao trânsito, a justificação para o nosso lugar pode estar relacionada com a forma como as vias estão organizadas, e que faz com que as viaturas circulem quase "em cima de nós" e a "pressão acústica" seja, assim, maior.

Portugueses bem informados
São dados que não surpreendem o presidente do colégio da especialidade de otorrinolaringologia da Ordem dos Médicos, Artur Condé. “Nas cidades, o ruído está a aumentar. É um reflexo da nossa civilização. As pessoas estão muitas vezes sujeitas a emissões sonoras de risco nas actividades relacionadas com o lazer, como as discotecas”, comenta o médico.

Para o especialista, não é sequer difícil entender por que motivo a Holanda, por exemplo, está entre os países menos afectados: “Basta olhar para a quantidade de bicicletas que circulam em Amesterdão…”. Artur Condé aproveita para recomendar às pessoas com perda auditiva que recorram sempre a um médico porque o problema pode estar “associado a outro tipo de patologia que convém diagnosticar”. É aos otorrinolaringologistas, lembra, que cabe elaborar um plano de tratamento que pode passar por medicamentos, cirurgias ou implicar o uso de próteses.

Os danos auditivos são provocados por dois tipos des factores: o tempo de exposição e a pressão acústica. Para Celso Martins, o nível de ruído “ideal” fica abaixo dos 60 a 70 decibéis. "A partir dos 80 decibéis já se considera danoso para o ouvido humano", diz, enquanto Artur Condé avisa que a partir dos 85 decibéis podem produzir-se lesões irreversíveis no ouvido interno.

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A boa notícia que transparece deste estudo é a de que Portugal é um dos países onde a população parece estar mais sensibilizada e informada sobre os riscos da exposição ao ruído excessivo, apesar de este grau de conhecimento não levar as pessoas a mudarem os seus hábitos. Atente-se nas percentagens: 63% dos inquiridos assumem estar a par do risco de perda auditiva causada por este tipo de exposição, 56% sabem que pode provocar aumento da irritabilidade e 52% têm consciência de que potencia o stress. Mesmo assim, lamentam os autores, 55% dos entrevistados admitem ir a concertos e 36% dizem assistir a televisão com dolby surround, com regularidade.

Em geral, considerando as respostas do total de inquiridos nos 11 países, são poucas as pessoas que têm consciência das consequências “desastrosas” que o barulho representa. “Só uma em cada duas sabe que pode provocar stress, distúrbios de sono ou irritabilidade e menos de um em cada 10 associa a excessiva exposição ao ruído a um risco acrescido de doenças cardiovasculares”, sintetizam. Sintomático é ainda o facto de metade dos inquiridos desconhecer que a exposição frequente e prolongada a ruídos intensos pode danificar a audição. Segundo o estudo, a exposição ao ruído "alto e médio-alto" aumenta mesmo em 30% a probabilidade de sofrer de algum tipo de perturbação auditiva.

Os mais jovens e os mais idosos são os mais susceptíveis, porque os primeiros estão habitualmente expostos a elevados níveis sonoros quando ouvem música e os mais velhos porque podem estar expostos a “uma mistura explosiva para a audição”: ruído, medicamentos, maiores risco de doenças cardiovasculares e metabólicas. “Os jovens estão muito expostos. Basta ver que usam headphones [com músicas] que chegam aos 120/130 decibéis. Aos 20 anos, alguns aparecem já com uma curva audiométrica típica dos 40”, ilustra o audiologista.

As conclusões são sombrias. Estamos a sofrer de uma “doença do ruído”, um “intenso e generalizado caos sonoro que pode colocar em risco a saúde da população", sublinham os autores do estudo. Mudar de comportamento compensa, frisam, citando estudos científicos segundo os quais uma mera redução de cinco decibéis bastaria para reduzir a hipertensão em 1,4% e a doença coronária e ataque cardíaco em 1,8%.

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