Politécnicos em dificuldades apostam em mudar regras de acesso ao superior

Institutos superiores perderam 20% do orçamento na última década e estagnaram número de alunos, numa altura em que as universidades continuaram a crescer. Agora precisam de mais estudantes para conseguirem sobreviver.

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Os politécnicos estão em “agonia”. A palavra é do investigador do Observatório de Políticas de Educação e Formação Paulo Peixoto, mas a ideia, usando esta ou outra expressão, é repetida por vários especialistas. Este subsistema de ensino superior passa por graves dificuldades e a recente polémica de alteração das regras de acesso – que acaba com a preponderância actual dos exames nacionais – é a última manobra para garantir a sobrevivência.

Depois do crescimento generalizado do sistema de ensino superior, sobretudo ao longo dos anos 1990, a quebra da procura dos últimos anos tem sido particularmente penalizadora para os politécnicos. Os dados sobre os diplomados ao longo da última década mostram uma clara divergência entre as realidades dos institutos superiores e das universidades. Se, em 2005, os dois subsistemas públicos formavam praticamente o mesmo número de pessoas – 23.901 e 25.283, respectivamente –, nos anos seguintes, as universidades continuaram a crescer, ao passo que a procura dos politécnicos estabilizou.

Em 2013, saíram 42.975 pessoas formadas das universidades (um crescimento de 42% face a 2005). Os politécnicos tiveram uma ligeira tendência de subida até 2007 (o máximo conseguido foram 27.566 diplomados) e, a partir de então, estiveram sempre em perda, fixando-se em 23.916 diplomados em 2013, praticamente o mesmo número registado há uma década.

No mesmo período, o número de professores nas universidades cresceu ligeiramente (2,6%) e o corpo docente nos politécnicos foi reduzido em 16%. Os dois subsistemas tiveram ainda que lidar com os cortes nas dotações orçamentais do Estado para o ensino superior, que levaram, praticamente em igual medida, cerca de 30% dos orçamentos desde 2006. No entanto, as universidades têm tido maior facilidade em compensar as perdas de fundos públicos com receitas próprias – têm propinas mais altas e investigação que lhes permite acesso a fundos comunitários. Por isso, o total dos orçamentos de um e outro subsistema é desequilibrado: a verba disponível para os 15 politécnicos representa um terço da das 14 universidades: 380 milhões contra 1.193 milhões em 2015.

Foi perante este contexto de crise que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) apresentou, há duas semanas, uma proposta de alteração das regras de ingresso ao ensino superior que se tem revelado polémica. A medida não pode também ser desligada da discussão em cursos entre as instituições e a tutela para a aprovação de novas regras de financiamento do ensino superior, que impõem determinados rácios de alunos e professores às universidades e politécnicos. Em algumas instituições, essa alteração vai aumentar a pressão para atrair mais alunos.

E é precisamente no sentido de captar mais público que aponta a alteração defendida pelos politécnicos. A ideia é que seja a nota final do ensino secundário dos alunos o critério de seriação dos candidatos ao ensino superior, acabando com a preponderância que os exames nacionais têm no processo. Além disso, a medida seria apenas possível (e facultativa) para institutos politécnicos, cirando um sistema de acesso diferenciado do das universidades.

Sindicatos e estudantes criticaram a medida e três politécnicos (Lisboa, Porto e Coimbra) desvincularam-se do CCISP em protesto. Mas há quem veja vantagens numa maior diferenciação entre as formas de acesso aos dois subsistemas, como o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

Mais liberdade para recrutar
A Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior ainda não conhece em detalhe a proposta do CCISP, mas o seu presidente, João Guerreiro, está de acordo que os dois subsistemas de ensino superior “deveriam ter condições de acesso diferenciados” de forma a acabar com uma “perversa convergência” entre os ensinos universitário e politécnico. Na opinião do antigo reitor da Universidade do Algarve, essa distinção “deveria contribuir para vincar bem os conteúdos próprios dos dois” tipos de ensino.

“Defendo que haja mecanismos de diferenciação”, concorda o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), David Justino. No entanto, a sua opinião é de que devem ser as instituições a definir quais as condições de acesso dos candidatos aos seus cursos, em vez de haver uma distinção entre cada subsistema. “Sou a favor de que se dê maior liberdade às instituições para recrutarem”, entende Paulo Peixoto, do Observatórios das Políticas de Educação e Formação.

Este especialista aponta também para os efeitos positivos que o instituto politécnico tem para o país. O crescimento dos politécnicos teve por base a criação de diferentes polos em concelhos vizinhos, lembra Peixoto. “Este fenómeno foi fundamental para o desenvolvimento regional”, defende. O mapa do ensino politécnico está bastante concentrado em regiões de baixa densidade populacional, sobretudo do interior do país. “Essa é hoje a sua principal mais-valia: asseguram um certo equilíbrio no território”.

O próprio CCISP tem usado esse argumento a seu favor nas discussões com o Governo sobre a proposta de reforma da rede de ensino superior. Um estudo apresentado pelos politécnicos há cerca de um ano mostra o impacto determinante que estes têm no PIB dos concelhos onde estão sediados. Este resultado pode chegar a 11% da riqueza regional, somando o impacto de cada aluno na economia – que pode ir até aos 16 mil euros por ano – e os empregos criados.

O Governo ainda não analisou a proposta do CCISP, mas a intenção da tutela é valorizar a oferta politécnica. “O ensino politécnico tem uma importância crescente”, assegura o secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes. “O que se pretende é que cada um dos subsistemas de ensino sirva melhor os estudantes que o procuram e lhes proporcione as condições para a transição para o mundo do trabalho”, diz o governante.

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