Polícia Sem Porrada (PSP)

Patrulhas, actuações, inquéritos. E inquéritos às actuações das patrulhas e patrulhas às actuações dos inquéritos e actuações sobre os inquéritos às patrulhas. A PSP está a precisar de um corpo especial para combater os seus próprios combates. Se possível, sem bastonadas. Mas se tiver de ser, paciência.

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Para “dar melhor imagem” pública no Marquês de Pombal, no dia dos festejos do 34.º campeonato de futebol do Benfica (aos quais tinha dado parecer negativo por razões de segurança), a hierarquia da PSP proibiu o corpo de intervenção de usar equipamentos de protecção, os capacetes e até os escudos.

Os homens ficaram reduzidos a subcomissários Filipes Silvas, só com os magros bastões à mão, quando enfrentavam uma chuva de pedras e garrafas lançadas por simples vândalos animados pela cerveja. Horas antes, à tarde, o polícia agressor de Guimarães tivera de enfrentar sozinho (com nervos e bastão de aço) um perigoso pai de família benfiquista desarmado mas muito mal-educado, ajudado pelo gangue do seu pai idoso e dos filhos delinquentes de 9 e 13 anos, armados com uma garrafa de água e um cameraman da CMTV. Mas o subcomissário Silva resolveu a situação com a força necessária e suficiente, a ele ninguém abriu a cabeça como aos colegas do Marquês, e ainda vai ser o nosso Silva a investigar quantos benfiquistas saquearam o armazém do Vitória de Guimarães. No entanto, todos os portugueses dizem mal dele, agora até vive com medo. Portugal em 2015: isto da “autoridade” está muito complicado.

Feridos de um lado, lesionados do outro, acusações a crescer, inquéritos a explodir como cogumelos nas paredes da Administração Interna, a ministra Anabela Rodrigues que parece que comeu qualquer coisa que lhe fez mal, talvez uma sandes de courato nas roulottes da Rotunda.

A dúvida invadiu o relvado da alma dos elementos da Polícia de Segurança Pública. Já não sabem o que fazer quando saem à rua. É para bater ou para dar beijinhos nas pessoas? Ou, pior ainda, para manter a calma, conversar com elas e evitar a violência sempre que possível? A missão é manter a ordem pública com o bastão ou usá-lo para bater claras em castelo, cozer bolos para chás dançantes?

Tivemos acesso ao diário secreto de um agente anónimo do corpo de intervenção que vive um complicado momento psicológico. Stress pós-traumático? Logo nele, que há tanto tempo não traumatiza ninguém, pelo menos desde o enxerto policial dado aos manifestantes inocentes perto da Assembleia da República, em 2012. Na altura, tudo estava como deve ser: batia-se e o Governo achava bem e não se falava mais nisso. Depois, os próprios polícias invadiram as escadarias da AR guardadas por outros polícias e ninguém bastonou ninguém. Como é que é?... Agora pagam uns pelas asneiras dos outros, este agente do corpo especial só quer encontrar um inquérito à sua medida, e descansar.

Dia 1: Fui ajudar uma idosa em cadeira de rodas a atravessar a rua. Pelo sim pelo não, levei colete à prova de bala. À tarde, fui fazer patrulha ao jardim infantil. Levei bastão, capacete e escudo, mas senti-me inseguro. Estes miúdos são capazes de tudo e a gente não pode responder.

Dia 2: À noite, fomos dominar um motim num bairro problemático. Equipei-me com os necessários ténis, calções a camisola de alças, pronto para tudo. Corri para o comboio, onde uns rapazes me pediram o telemóvel e a carteira. Expliquei-lhes, para tristeza geral, que não levava a arma de serviço para o bairro deles porque não pretendo alinhar em estereótipos. A arma vou guardá-la para o dia em que me apetecer… enfim, cala-te boca.

Dia 3: Fui a Guimarães visitar o subcomissário Filipe Silva e expressar-lhe a minha solidariedade. Tive muito cuidado na linguagem e nos gestos porque já sabemos que ele é “durão”. Que havemos de fazer, são feitios! Infelizmente, entrou-me um mosquito no olho, estendi o braço e gritei “bolas!” Silva sacou do bastão de aço escondido na virilha e aqueceu-o nas minhas costas. Não vou fazer queixa porque ele logo teve a consciência de ter exagerado. Além disso, confundiu-me com um civil. Quando lhe estendi a mão para aceitar as desculpas, Filipe Silva fez-me uma “chave” e deslocou-me o ombro para me algemar. Tudo bem, é um oficial muito competente e seguidor das regras. Vou escrever no auto que se calhar lhe cuspi e o insultei inadvertidamente, não o quero traumatizar mais. Usou a força necessária.

Dia 4: Fui obrigado pelo comando a assistir a um briefing sobre saques em instalações desportivas, flagrantes mal explicados, uso indevido de força (seja lá o que isso for), situações de pânico e cenários de festa com material pirotécnico, namoradas, avós e bebés à mistura. E como avançar por ali à bastonada para chegar mais depressa aos tipos maus. Matéria fácil. Mas o futebol é uma caixinha de surpresas, não se pode facilitar.

Dia 5: O meu filho entrou-me no quarto a dizer que tinha sede. Perguntei-lhe o que estava ali a fazer sem pedir licença e repetiu que queria beber água. Não tive outra solução: dei-lhe ordem de prisão e passou a noite na esquadra. As ordens contra as claques são para cumprir, é isso que se espera de nós.

Dia 6: Dia de reflexão sobre a vida: vi o primeiro filme do Super-Homem e um dos males do nosso tempo é já não haver cabines telefónicas para um herói poder mudar em segredo da roupa normal para a farda de combate. A culpa é dos telemóveis. À tarde, sessão de ginásio e musculação do dia.

Dia 7: Se calhar devia cortar nos esteróides.

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