Plano contra cancro da pele quer reforçar papel dos médicos de família

Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo defende registo nacional de tumores que permita prever as necessidades de recursos humanos e financeiros.

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A qualidade dos médicos do sector público é uma das coisas que os doentes mais valorizam no SNS Paulo Ricca

No desporto ao ar livre, o chapéu é “uma ferramenta tão importante para a cabeça como é usar uma boa sapatilha para o pé”. A mensagem é deixada pelo dermatologista Osvaldo Correia e é um exemplo das ideias que o médico gostaria de ver promovidas pelo novo Plano Nacional de Combate ao Cancro da Pele, aprovado pela Assembleia da República e que será apresentado nesta terça-feira pela Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo, em parceria com a Direcção-Geral da Saúde. O reforço do papel dos médicos de família no diagnóstico de lesões suspeitas na pele e a criação de um registo nacional de doentes são duas das principais medidas do programa.

O plano agora apresentado e publicado em Diário da República foi aprovado sob a forma de resolução pela Assembleia da República, como forma de contrariar a subida do número de casos de cancro da pele em Portugal. As estimativas apontam para um total anual de 12 mil novos casos de cancro da pele, sendo que 1000 deles são melanomas – a forma mais grave e mortal, que corresponde a 90% do total de óbitos por este tipo de tumores malignos.

Osvaldo Correia, que é também secretário-geral da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC), sublinha que o plano é aprovado numa altura em que a APCC assinala 30 anos de existência. Apesar de defender que é um passo fundamental para combater a doença, o especialista adianta que uma das medidas passa por aprovar uma verdadeira estratégia nacional de combate ao cancro da pele, que permita uma “abordagem integrada, concertada e pluridisciplinar” da doença.

De todas as formas, o dermatologista acredita que é possível avançar já com um registo nacional de todos os tumores detectados. “Precisamos de saber quantos cancros temos anualmente de forma objectiva. É muito importante sabermos o número real, onde é que eles estão e a gravidade para que as entidades governamentais possam dotar as áreas de maior incidência ou gravidade com recursos humanos e financeiros para que haja um diagnóstico e um tratamento atempado”, explicou.

A aposta na detecção de lesões por parte dos médicos de família é outra chave do plano. “É importante dar mais formação aos profissionais de saúde para que façam uma melhor orientação dos doentes que importa referenciar”, explica, adiantando que a ideia é detectar o cancro da pele mais cedo, mas também libertar os recursos mais especializados para os casos que são mesmo necessários. Osvaldo Correia alerta que qualquer sinal novo, com mais de cinco milímetros e com uma forma irregular, merece ser observado. “O diagnóstico precoce dos cancros da pele permite a cura na generalidade. O diagnóstico tardio leva a uma maior morbilidade, ou seja, a uma maior agressividade nos tratamentos ou mesmo à morte”, salientou, reforçando o caso específico do melanoma como o mais problemático.

Para o médico da APCC, que coordenou o desenho deste plano, “o pacote engloba medidas tão importantes como o tema do sol e da pele em locais como o recreio das escolas”. Aliás, a inclusão destes temas no currículo dos alunos é uma das ideias, assim como a divulgação de mais informação junto dos grupos de risco. É neste contexto que surgem as pessoas que praticam exercício ao ar livre e que muitas vezes desvalorizam esta exposição. “O sol é amigo, não façamos dele inimigo. Somos a favor do desporto ao ar livre, mas temos de fazê-lo em horas de sombra aumentada, como ao início e fim do dia, e perceber que o que efectivamente mais protege é o vestuário”, afirma Osvaldo Correia.

O médico considera também importante haver uma melhor divulgação e interpretação dos índices ultravioleta para que as pessoas se possam proteger da radiação. A promoção do auto-exame, como já é feito para o cancro da mama, é outra das ideias. As medidas do plano dirigem-se também aos solários, com o dermatologista a defender que é necessária mais fiscalização. A existência de consentimentos informados assinados pelos utilizadores destes espaços e o fim de “publicidade não só enganosa como arriscada” sobre o “suposto bronzeado saudável” é o principal objectivo.

Rastreios a 20 de Maio
A par do plano, a APCC vai continuar a promover várias acções. A 20 de Maio, Dia do Euromelanoma, vão ser feitos rastreios em 40 serviços de dermatologia em todo o país. Nas iniciativas semelhantes que decorreram em 2014 foram feitos rastreios a mais de 1600 pessoas. Cerca de 22% dos participantes tinham antecedentes de queimaduras solares antes dos dez anos e 53% entre os dez e os 18 anos. Em metade dos rastreios as pessoas admitiram que se expõem ao sol sem protector solar fora da praia e só 66% usam creme na praia.

Mais de 40% das pessoas que fizeram o rastreio tinham na pele sequelas das queimaduras e 317 pessoas tinham mesmo sinais suspeitos. Foram ainda identificadas 112 pessoas com as chamadas queratoses actínicas, que podem significar um futuro cancro da pele conhecido como carcinoma espinocelurar. Em 16 doentes houve suspeita de melanoma e em 73 de outros cancros da pele (carcinoma basocelular ou espinocelular). Apenas 32% dos participantes já tinham feito rastreios no passado e 31% tinham uma actividade profissional ao ar livre.

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