Planear o orçamento familiar e aumentar a resiliência das famílias

“ Tem que ser, não é? Só é bom para um, se for bom para todos…”

Tânia e Miguel aproveitam o serão de sexta feira, em que habitualmente estão sem os filhos, para discutir o tema do orçamento familiar para o próximo ano, algo que têm vindo a adiar…
Tânia: Não acredito Miguel!
Miguel: Em quê?!
Tânia: Fizeste gráficos?! É preciso tudo isto?
Miguel: Sim, Tânia. É assim que se faz. O excel dá-nos uma perspetiva muito mais realista da coisa. Vê lá se concordas…
Tânia: Enganaste-te, só contaste com um carro!
Miguel: Não, não me enganei, vamos passar a ter só um. Agora comigo desempregado, e mesmo quando voltar a estar, vamos ter que nos readaptar a essa realidade. Temos metro à porta, eu passo a andar de metro. Para ti é mais complicado pela distância do teu emprego e com as entregas dos miúdos…
Tânia: Oh, Miguel, achas mesmo necessário?! Cortamos noutras coisas...
Miguel: Acho mesmo, sobretudo se pensares no corte que isso representa na nossa despesa: gasolina, seguros, reparações! Olha, até me sinto aliviado!
Tânia: Supermercados… parece-me que costumamos gastar mais…
Miguel: E tens razão se continuarmos a ir ao mesmo super, mas este aqui da rua de baixo é muito mais barato!
Tânia: Mas não tem talho, que é onde se gasta muito!
Miguel: Já pensei nisso. Se concordares peço aos meus pais que me passem a trazer carne lá da terra que também é mais barata…
Tânia: Claro! Como é que não pensei nisso antes?!
Miguel: Porque não precisávamos!
Tânia: A nossa vida tem mudado muito, não é amor?
Miguel: Tem, mas prefiro saber com o que podemos contar do que sentir que muitas vezes não temos dinheiro para pagar as despesas que realmente são indispensáveis!
Tânia: Puseste o meu ginásio?!
Miguel: Sim, eu sei que é uma coisa que te faz muito bem…
Tânia: Mas vais tirar! Prefiro começar a correr! E contigo! Também podes cortar mais na minha roupa e na dos miúdos. Eu não preciso de nada nos próximos tempos! E vamos passar a herdar a roupa dos primos! Já falei com a minha irmã.
Miguel: Boa!
Tânia: Obrigada, amor. Começo a sentir-me mais tranquila…
Miguel: Assim, sabemos melhor com o que podemos contar…
Tânia: Tem que ser, não é? Só é bom para um, se for bom para todos…

O diálogo acima reflete o tempo exigente de mudanças ao nível social, económico e laboral, que representam um enorme esforço emocional para muitas famílias. Este, também é um tempo em que a individualidade, o consumismo e o egocentrismo têm lugar, o que favorece tantas vezes a primazia do Eu ou do Tu sobre o Nós.

Sabemos que as dificuldades económicas estão entre as que mais contribuem para o aumento da conflitualidade no casal e na família. É portanto, fundamental, ter presente que os momentos de maior sofrimento e exigência fazem despoletar sentimentos e reações que refletem egoísmo e a verdadeira incapacidade de fazermos a opção por outro, que não nós mesmos. Este é um tempo em que a luta de poderes dentro das famílias se encontra mais acesa!

As mulheres têm atualmente mais poder na família e na relação conjugal contribuindo igualmente para o sustento familiar, e portanto, com um papel mais ativo nas tomadas de decisão do núcleo. Se por um lado, este fator contribui para uma maior liberdade e democratização das decisões, por outro, veio aumentar a exigência ao nível da relação do casal a quem agora é pedido um esforço superior para chegar a consensos.

Falamos aqui de decisões ao nível das opções de ordem económica referentes ao orçamento familiar, sabendo que a base para tomar estas opções refletem questões tão sensíveis como as que cada um idealizou e pensou para a sua forma de viver.

Acresce ainda, o poder dos filhos, que também tem vindo a aumentar nas últimas décadas. Ouvimos cada vez mais falar na defesa dos direitos das crianças (o que é algo fundamental), mas também assistimos em muitas casas a uma total e completa inversão das hierarquias e valores, vivendo muitos pais em regime ditatorial conquistado pelos filhos!

É portanto, um período em que pai, mãe e filhos têm agora uma equidade superior ao nível das decisões e escolhas intrafamiliares que o período de crise em que vivemos obriga cada vez mais a fazer. A estrutura familiar no seu conjunto, e cada um individualmente, são “abanados” perante o imperativo de fazer escolhas e cedências, sendo “obrigados” a mobilizar-se a procurar e descobrir novos recursos para viver uma vida diferente.

Planear o orçamento familiar anual, entre outras medidas, poderá ser uma hipótese que contribui para a organização e estruturação dos custos e despesas aos quais as famílias têm que dar resposta. É uma opção, que tal como nas empresas, obriga a uma disciplina e planeamento, mas sobretudo a uma revisão das prioridades. A obtenção deste resultado, mais ou menos previsível, permite que vivamos mais conscientemente dentro da nossa realidade, gerindo desta forma as expectativas ao longo do ano.

Não há orçamentos perfeitos, nem uma forma mágica de distribuição equitativa de receitas e custos, mas este também pode ser um enorme momento de partilha para a chamada economia doméstica. Há questões mais ou menos comuns que muitas famílias se veem obrigadas a rever – gastos relacionados com os meios de transporte, com a alimentação, com o vestuário, com as atividades de lazer, com o apoio ao ensino dos filhos, com as atividades desportivas, entre outras. Além do adiamento de decisões mais ou menos fundamentais para cada família, desde por exemplo umas férias muito desejadas, ou mesmo, o planeamento do número de filhos!

Todas estas questões podem fazer colidir o ciclo de vida individual com o ciclo de vida da família, ou seja, entre o que cada um esperaria e ambicionava nesta fase da sua vida e as necessidades mais prioritárias à família no seu conjunto.

São os pais, enquanto especialistas da vida da família, quem tem o poder de decisão, contemplando inevitavelmente as necessidades de cada um, mas que nem sempre serão possíveis de satisfazer. São regra geral, capazes de fazer as melhores opções e revelam quase sempre a competência para enfrentar os desafios que este tempo revela, refletindo sobre alternativas e oportunidades! Esta atitude de consciência vai certamente representar uma aprendizagem para todos, e um exemplo para os filhos, o de assumir com verdade e realidade uma nova forma de viver. Não esquecendo a máxima de que só é bom para um se for bom para todos!

Sofia Nunes Silva é psicóloga clínica e terapeuta familiar. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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