Para que viva

A mortalidade apresenta-se quando ainda somos pequenos. Depois visita-nos com regularidade, com cada vez mais frequente e assustadora regularidade. Não é só o medo de morrer: é o desejo também. Lembro-me de desejar a morte durante uma otite aos cinco anos e uma enxaqueca aos doze.

Medo da morte, desejo de morrer; medo da vida, desejo de viver; confusão; indiferença; angústia e esperança: a cabeça é suficientemente duvidosa e auto-destrutiva para nos estragar a vida.

Mas só o corpo e o cérebro, propriamente ditos, é que nos trocam as voltas a sério. O meu pai dizia sempre que o único milagre era continuarmos vivos, considerando a quantidade de coisas que poderiam correr mal e matar-nos. Conhecer todos os azares que tínhamos milagrosamente evitado era um dos grandes prazeres da vida. E é.

Esta semana um dos escritores de que mais gosto - Geoff Dyer - escreveu bem sobre esta condição humana. Ele é magro e atlético mas sofreu um AVC em Los Angeles, para onde se mudou este mês.

A London Review of Books, onde ele escreveu o mais recente diário, oferece grátis o que ele recebeu dinheiro para escrever. Ponha no Google "Geoff Dyer stroke" e lá chegará, sem qualquer despesa.

Geoff Dyer é um escritor que conseguiu devolver a escrita ao escrever. Tanto faz ser ficção como verdade. O segredo é prosaico: escrever, tal como pensar, é um trabalho antecido de uma intenção.

A mortalidade (e a imortalidade) de Geoff Dyer são duas questões inteiramente diferentes.
 

  


 

  

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