Para investir na escola pública, não para gastar com privados?

A verdadeira questão, em detrimento da vontade ideológica, deve ser a de pedir que se discuta o financiamento em função do desempenho da escola.

“Os nossos impostos são para investir na escola pública, não para gastar com privados”. A mensagem não passa despercebida ao transeunte. De dimensão generosa, as letras brancas, sobre fundo preto, ocupam todo o espaço do cartaz e pretendem despertar-nos para uma reflexão sobre o destino que poderíamos ou não dar aos nossos impostos.

Na verdade, faz-me refletir sobre as escolhas que temos. Nem de propósito, em Fontismo, David Justino relembra Roland Émile Mousnier: “A história não tem sentido por si mesma, pois ela é moldada pela vontade dos homens e das escolhas que fazem”.

Que efeito têm as nossas escolhas sobre os recursos disponíveis? Sendo os impostos escassos para o nosso nível de despesa (vida) e o acesso à dívida pública sempre um imposto no futuro, então as “escolhas” não deveriam ser tomadas de modo a não ficarmos prisioneiros das suas consequências? Se assim é, impõe-se um comentário sobre a boa ou má utilização dos nossos impostos, principalmente porque se percebe da mensagem uma preocupação meramente abstrata.

Num orçamento para a educação pré-universitária que ronda os 6 mil milhões de euros, é legítimo perguntar sobre o foco em 2% deste orçamento. Mas não será certamente pelos 138 milhões de euros que o estado vai este ano pagar pelos contratos de associação, uma vez que com esse dinheiro conseguem-se obter resultados idênticos ou até melhores que nas restantes escolas da rede de ensino público. Não falo levemente: estes resultados têm sido estudados ao longo de vários anos, embora, nesta legislatura, se tenha decidido que não se deve avaliar as escolas pelos resultados das avaliações externas nacionais. Também não será pelo peso que estes 138 milhões representam dos nossos impostos, certamente. Porque se assim fosse, bastaria comparar este valor, meramente a exemplo, com a dívida acumulada por três Entidades Públicas Empresariais, nomeadamente, a dívida da CP, a da Refer e a do Metropolitano de Lisboa. Para quem quiser confirmar, veja-se a Conta Geral do Estado: são 15 mil milhões de euros de dívida, repito, quinze mil milhões de dívida. Mais coisa menos coisa, o equivalente a 108 (cento e oito) anos de financiamento, a preços constantes, de todas as escolas privadas que prestam serviço público de educação, ao abrigo dos contratos de associação.

Considerando as repercussões transversais que a educação, em conjunto com a CP, Refer e Metropolitano, “transportam” para o futuro prospetivo do país, pela lógica do cartaz, talvez seja interessante especular sobre a vantagem destes “transportes” para um contribuinte, por exemplo, transmontano, quando numa lógica de contributo para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a equalização das oportunidades no acesso ao que é comum (saúde, educação, urbanismo, transportes, etc.).

Afaste-se por isso a discussão de quem vê o mundo a preto e branco, que não quer entender a diferença entre “escola pública” e “serviço público de educação”, que se refugia numa utilização dos impostos limitada a alimentar a máquina do estado e não a justiça distributiva, ou ainda que alimente a arcaica berraria que separa os que são pela obrigatoriedade da escola do estado dos que estão pela liberdade de escolha da escola para ensinar e aprender. Ao invés, porque não pedir para valorizar o mérito das soluções apresentadas pelas comunidades educativas que colocam as escolas, qualquer que seja a sua gestão, a oferecer um serviço público de qualidade?

As evidências dizem-nos que a qualidade das escolas depende da sua autonomia, dos seus professores, da sua liderança e da adesão das famílias a projetos educativos onde os “horários das aulas batem certo com os do autocarro”, como na EB 123 do Curral das Freiras, na Madeira, onde 92% população escolar beneficia da Ação Social Escolar e, simultaneamente, das melhores avaliações externas nacionais. Por isso, se existem outras “escolas onde cabem todos os sonhos”, deixem que sejam as famílias a escolhê-las. Em geral, escolhem bem.

A verdadeira questão, em detrimento da vontade ideológica, deve ser a de pedir que se discuta o financiamento em função do desempenho da escola, que é, afinal de contas, o que desejamos para cada cêntimo dos nossos impostos. O retângulo do cartaz tem quatro lados, sem todos eles, não é o que pode ser!

Conselheiro do Conselho Nacional de Educação

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