Outralizemos

Prepare-se para um exercício de abstracção.

Experimente pensar rejeitando a sua perspectiva sobre um assunto. Esqueça as suas referências. As crenças, os valores, os princípios, os gostos, os tiques, os hábitos e as manias. Saia de si. Agora, sim. Está no ponto de poder entrar no mundo do outro. Este é meio caminho andado para uma boa estratégia de comunicação. É um princípio básico para qualquer publicitário e, acrescentaria, para qualquer bom comunicador. Para qualquer um de nós.

Campanhas que nos tocam são aquelas que nos percebem. Não é por acaso que as melhores campanhas são baseadas em estudos de percepção e em pesquisa de tendências, sempre na mira de conhecer bem aquele a quem queremos apresentar uma proposta com valor. Um valor relevante para o outro, não necessariamente para nós.

Nem sempre podemos recorrer a estudos orientadores, mas não devemos subestimar o poder da observação e a capacidade de análise. O que pode haver de mais instrutivo do que seguir a vox populi em telejornais, acompanhar um programa da manhã num qualquer canal nacional, andar de metro ou de autocarro, observar bem posicionado num banco de centro comercial ou numa esplanada, conversar com o dono do quiosque ou do café? Ler os comentários dos leitores no rodapé das notícias dos jornais digitais? Ou seguir os posts das redes sociais? São imensas as fontes que nos ajudam a ver com os olhos dos outros.

A este exercício de abstracção e descoberta um professor de gramática chamou-lhe, um dia, “outralização”. Nunca mais o esqueci porque não encontrei ainda melhor expressão de o resumir. E acredito que um bom comunicador tem de treinar a outralização – essa a capacidade de sairmos de nós mesmos e de vestirmos a pele do outro. Só assim nascem bons insights –, a descoberta da verdade do outro (que pode não ser a nossa verdade). Só a partir daqui conseguimos fazer algo verdadeiramente com sentido. Caso contrário, conversamos com o nosso umbigo, que nos entende sempre muito bem.  

A outralização é, acima de tudo, um exercício de humildade – não ter a presunção de achar que só existe a nossa forma de estar, de olhar, de fazer, enfim, de viver.

Quem treina a outralização, aprende, no fundo, a compreender o outro e a comunicar melhor, seja no sentido profissional ou pessoal. Não custa muito, apenas temos de nos descolar do nosso centro. Um processo que também nos pode transformar, no regresso a nós próprios.

A autora é investigadora na Universidade do Minho e directora da b+ comunicação

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