Os mesmos professores foram hoje colocados em três, quatro ou mesmo dez escolas

O Ministério da Educação anunciou esta sexta-feira a atribuição de 4368 horários nas escolas, mas os dirigentes escolares estão a receber a notícia com cautela. O sistema permite que um professor fique colocado em várias escolas e opte por apenas uma, o que deixará as restantes mais algum tempo sem os docentes necessários.O MEC diz que "é natural" que assim seja.

Foto
Colocação de professores nos próximos meses poderão mexer na estatística do emprego público Rui Gaudêncio

Esta sexta-feira foram atribuídos 4368 horários a docentes, informou o Ministério da Educação e Ciência (MEC). Mas não será desta que todos os alunos das 304 escolas classificadas como TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária) e com autonomia ficarão com todos os professores de que precisam. Esta é a convicção dos representantes dos directores das escolas e os dados confirmam-no. Não por erro, mas devido ao modelo de concurso, que faz com que, em muitos casos, um mesmo professor seja colocado em três, sete ou mesmo mais escolas. Isto significa que, ao optar por uma, deixará vagos os restantes lugares, que só serão preenchidos mais tarde.

Ao princípio da tarde, o MEC anunciou que esta sexta-feira foram atribuídos 4368 horários, a professores do quadro que estavam sem componente lectiva (dos quais 120 continuam com horário zero) e a docentes sem vínculo, conhecidos como contratados. Fê-lo através de novas fases de dois concursos. Através da Reserva de Recrutamento 3 (a terceira fase de um concurso lançado para as escolas que não são TEIP ou com autonomia) foram atribuídos 1152 horários . E através da Bolsa de Contratação 3 (destinado às tais 304 escolas TEIP e com autonomia) foram disponibilizados 3216 horários.

As colocações, contudo, estão a ser recebidas nas escolas com cautela. “Olhando para a plataforma informática, recebo a informação de que na minha escola existem candidatos para todos os horários que estão por preencher. Mas nada me garante que os tenha cá na próxima semana, já que a mesma pessoa pode ter ficado colocada em vários [estabelecimentos de ensino] através da BCE”, alertou esta sexta-feira, em declarações ao PÚBLICO, o vice-presidente da Associação Nacional de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima.

O sistema de colocação de professores através da BCE (marcado pela polémica, devido a erros assumidos pelo MEC), é complexo. Mas, para o que neste caso interessa, é importante saber que não existe apenas uma lista de colocação - podem existir tantas quantos os grupos de recrutamento (História, Português, Matemática, etc, etc) de cada uma das 304 escolas TEIP e com autonomia.

Um exemplo: no limite, cada uma das 304 escolas pode ter registado na plataforma informática uma oferta no grupo de recrutamento de Geografia (para o caso de vir a precisar de um professor desta disciplina em qualquer momento do ano lectivo) ; e cada um dos milhares de professores de Geografia podem ter concorrido para as 304 ofertas, nas 304 escolas.

Cada escola passaria, assim, a dispor de uma bolsa própria de professores ordenados de acordo com a sua classificação final, que depende da graduação profissional (que vale 50 %) e de critérios definidos pela escola (como a experiência, a formação específica, etc). E, assim que necessitasse, realmente, de preencher um horário, bastaria o director da escola assinalá-lo na plataforma informática para de imediato a Direcção-Geral de Administração Escolar enviar um e-mail para o professor (o primeiro da lista), notificando-o de que havia sido colocado e de que poderia aceitar ou não o horário.

Para os horários que vão surgindo ao longo do ano (de forma esporádica, porque um professor ficou doente, por exemplo), aquele sistema poderia resultar. Acontece que nestas primeiras colocações (a primeira, que foi anulada devido a um erro; a segunda, que serviu para corrigir esse erro; e a terceira, que hoje decorre), serão, pelo menos, centenas as vagas disponíveis. O sistema atribui-as de forma automática, ao primeiro professor de cada lista, que pode ser uma única pessoa e que tem legitimidade para escolher a que bem entender.

Isso explica que António Santos, professor de Geografia, residente no Porto, tenha tido a surpresa, esta manhã, de ficar colocado em sete horários, a maior parte dos quais completos (com 22 horas lectivas) e anuais (até 31 de Agosto). Pode, assim, escolher entre escolas situadas em Guimarães, Cinfães, Porto, Marco de Canaveses, Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Gaia, e Póvoa de Varzim. Como só escolherá um, os restantes ficarão vagos até que seja colocado um novo professor. E, assim, as turmas das outras seis  escolas continuarão, pelo menos no início da próxima semana, sem docente de Geografia.  

Não é caso único. Ana Correia, professora de Educação Física, ficou colocada através da BCE 2 em seis horários, dos quais cinco transitaram para a BCE3. E a sua colega Rosa Mesquita, professora da mesma disciplina, tem à sua disposição esta sexta-feira dez escolas – uma com horário completo e temporário na Marinha Grande, e as restantes com horário completo e anual (sete no Alentejo e duas em Lisboa).

MEC diz que é "natural"
Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, o MEC considerou “natural” que no processo da BCE “um professor fique colocado em várias escolas ao mesmo tempo”, já que “se trata de concursos a nível de escola, bastando para isso que o seu perfil corresponda ao pedido”. Lembra que entre aqueles que foram a concurso “existem horários incompletos, pelo que o mesmo candidato poderá aceitar mais do que um horário atribuído” e confirma que “é preciso aguardar que terminem os prazos legais de aceitação e apresentação nas escolas”. Depois, continua, "os horários são imediatamente integrados novamente a concurso até que todos os lugares se esgotem”.

“É uma loucura. A este ritmo não sei quando é que a situação vai estabilizar”, comentou, em declarações ao PÚBLICO, Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). 

O presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), César Israel Paulo, disse não ter dúvidas de que “poderá demorar várias semanas, mais de um mês, até tudo se resolver, tendo em conta os prazos para aceitação de cada vez que um professor é colocado" e a Federação Nacional de Professores (Fenprof) constatou que o MEC está a ser “incapaz de resolver o problema da colocação de professores”.

Continua a haver outros problemas por resolver. Dos 150 professores que foram colocados a 12 de Setembro e viram os respectivos contratos anulados na sequência de um erro assumido pelo MEC, cem continuam por colocar. Dentro das escolas mantêm-se, ainda, 312 professores do quadro sem componente lectiva, apesar de o ministro Nuno Crato ter manifestado o desejo de os reduzir a zero. 

Ao fim da tarde, o MEC informou que no início da próxima semana a Direção-Geral da Administração Escolar irá abrir a plataforma de BCE para que cada escola possa solicitar a criação de listas de grupos de recrutamento (História, Português, Matemática, etc) que não tenham inicialmente assinalado como necessários. "A plataforma será de seguida aberta para que os professores se possam candidatar a esses novos horários", acrescentou, sublinhando que as listas já conhecidas "se mantêm sem alterações". 

Sugerir correcção
Ler 14 comentários