“Os melhores não querem ser directores clínicos”, diz bastonário

José Manuel Silva reclama revisão da lei de forma a que médicos escolhidos para directores clínicos possam continuar a ter actividade privada.

A vaga de demissões que se tem sucedido em grandes hospitais públicos do país levou o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) a reclamar esta quinta-feira a revisão da legislação que enquadra a nomeação dos directores clínicos, de forma a que estes cargos possam ser ocupados pelos “melhores”profissionais, ao contrário do que acontece actualmente. “Os melhores não querem ser directores clínicos”, alega José Manuel Silva.

O problema reside no facto de a lei impor muitas restrições. “A legislação criou tantas incompatibilidades que os médicos com vida clínica activa não querem ser directores clínicos”, afirma o bastonário, que explica que um profissional que ocupe este cargo não pode, por exemplo, exercer actividade privada remunerada.

Resultado? "O director clínico do Amadora-Sintra [que esta semana foi substituído pela administração] foi a oitava escolha e o de Santa Maria foi a quarta", exemplificou o bastonário, que falava no dia em que foi conhecida a saída de Miguel Oliveira e Silva da direcção clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que inclui o Santa Maria e o Pulido Valente) e em que ficou claro que os 28 directores de serviços do hospital Amadora-Sintra que puseram o lugar à disposição na semana passada se mantêm demissionários.

Já a presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Marta Temido, espera que a sucessão de demissões não se transforme numa “nova forma de gestão hospitalar, nem se torne “num comportamento viral”, embora compreenda os motivos das pessoas que põem o lugar à disposição: "Se estivesse numa situação de tal modo grave, em que entendesse que estava em causa a qualidade ou a segurança dos cuidados prestados aos doentes do meu hospital, eu tomaria a mesma posição".

Apesar de não acreditar que os hospitais estejam ingovernáveis, a presidente da APAH admitiu à Lusa que várias medidas que têm sido tomadas ao longo do tempo estão agora “a reflectir-se no dia-a-dia” das instituições.  Quanto ao "braço de ferro" entre os demissionários e os decisores, deixa um alerta: "Não me parece que a estratégia do avança e recua seja minimamente saudável, mas parece que está instalada".

A onda de demissões começou já no início do ano passado (ver cronologia). Quinta-feira foi tornada pública a saída do director clínico do hospital de Santa Maria, Miguel Oliveira e Silva, ao fim de pouco mais de quatro meses no cargo. O obstetra, professor de ética e bioética na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, presidente em funções do Conselho de Ética para as Ciências da Vida, substituiu a pediatra Maria do Céu Machado – que já tinha saído em  Setembro passado, sem clarificar as razões do abandono do cargo.O PÚBLICO tentou ouvi-lo, sem sucesso.

Na base do pedido de demissão de Miguel Oliveira e Silva, estarão incompatibilidades com as restantes equipas do hospital, mas a versão do médico é a de que se pretende dedicar à vida académica, segundo o Diário de Notícias. O Ministério da Saúde confirmou o pedido de demissão e adiantou que vai ser substituído pela médica que até agora dirigia o serviço de urgência do hospital, Margarida Lucas.

Miguel Oliveira e Silva saiu depois de uns meses de relações de trabalho conflituosas com alguns directores de serviço da unidade de saúde. Em Dezembro, pouco tempo depois de chegar ao hospital, fez uma série de denúncias à administração do hospital, como a compra de material cirúrgico sem caderno de encargos, o que foi entendido por vários profissionais como o lançamento de uma suspeição generalizada. Depois disso, em entrevista ao jornal i, queixou-se de estar a ser alvo de inúmeras “pressões”. 

Esta substituição ocorre na mesma semana em que 28 directores de serviço do Hospital Amadora-Sintra apresentaram a demissão, alegando falta de condições de trabalho e de recursos humnos. Quarta-feira foi nomeada uma nova directora clínica para esta unidade, a pediatra Helena Isabel Almeida, mas os directores de serviço mantêm-se demissionários.

Sobre o Amadora-Sintra, o bastonário da OM recordou que os problemas começaram depois de 2011, quando o Ministério da Saúde tornou ilegais os duplos contratos dos médicos, que trabalhavam então mais horas. Desta maneira "retirou centenas, milhares de horas de trabalho aos médicos”, lamentou José Manuel Silva, para quem o Ministério da Saúde está a querer “despromover” este hospital, no âmbito da reorganização hospitalar que tem em mente.

Esta quinta-feira, a administração do Amadora-Sintra reuniu-se com deputados e autarcas do PSD e do PS. À saída, os primeiros garantiam que a situação da unidade é de "alguma normalidade", apesar da falta de meios humanos e do problema das urgências, enquanto os segundos perguntavam “quando é que isto vai acabar?”, referindo-se à vaga de demissões, e desafiaram o ministro da Saúde a acabar com "o caos" das urgências.

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