“Os médicos não são santos”, diz bastonário

José Manuel Silva iliba os médicos e defende que os responsáveis que devem ser sancionados pelos pagamentos ilegais estão nas administrações hospitalares.

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O bastonário diz que o acesso aos serviços está mais difícil Sérgio Azenha

O bastonário da Ordem dos Médicos iliba os profissionais de saúde que receberam elevadas remunerações para realizar cirurgias inscritas nas listas de espera em horário normal. Os casos “excepcionais com remunerações extraordinárias” detectados pela Inspecção da Saúde são da inteira responsabilidade das administrações dos hospitais, defende José Manuel Silva.

“Os médicos são seres humanos, não são santos. Se as administrações hospitalares dão a bênção a uma melhor remuneração, os profissionais de saúde apenas aceitam esta oportunidade. Vamos condená-los por isso?”, argumenta o bastonário da Ordem dos Médicos reagindo, desta forma, à notícia do PÚBLICO sobre clínicos do SNS a receber elevadas verbas de incentivos e horas extraordinárias para realizar cirurgias em horário normal de trabalho.

Os casos foram detectados pela Inspecção-geral das Actividades em Saúde (IGAS) que elaborou um relatório com os resultados de uma acção que decorreu em 2012. De acordo com o documento a que o PUBLICO teve acesso há médicos a receber incentivos financeiros no âmbito do programa de redução das listas de espera para cirurgia (SIGIC), mas que, na prática, estão a fazer as operações que deveriam ser extraordinárias durante o horário normal de trabalho. No caso mais flagrante, o de um oftalmologista, foram pagos mais de 1,3 milhões de euros no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), sendo que 1,2 milhões dizem respeito a intervenções feitas durante o horário do médico.

Sanções para os “líderes”
José Manuel Silva admite estar perante casos de ilegais e de violação ética, mas iliba os profissionais de saúde. Os responsáveis, diz José Manuel Silva, são os “líderes, o topo da pirâmide, ou seja, as administrações hospitalares que toleram e aparentemente incentivam” esta prática e são estes que devem ser “directamente sancionados por estas situações”.

“Trata-se de situações ilegais mas que são autorizadas”, avalia José Manuel Silva que disse ao PÚBLICO desconhecer este tipo de prática nos hospitais. A realização de cirurgias inscritas no SIGIC em horário normal de trabalho pode comprometer o normal funcionamento dos serviços hospitalares, admite. Porém, o bastonário da OM sublinha: “São casos de remunerações extraordinárias que traduzem uma excepção, não a regra”. E perante a hipótese de uma eventual “descentralização” do SIGIC que passe por transferir a gestão nacional deste programa para as administrações hospitalares, José Manuel Silva aproveita para deixar o aviso: “Isso só iria piorar e dar mais margem de manobra às administrações hospitalares para estas situações excepcionais”.

Finalmente, sobre o facto de a esmagadora maioria (80%) dos clínicos manter o horário da manhã nos hospitais, José Manuel Silva lembra que o problema é antigo e tem solução. “Os hospitais só não funcionam 12 horas, com os blocos abertos, porque o Estado não quer. Isso iria implicar mais despesa, seriam tratados mais doentes e o sector privado iria ser prejudicado”, acusa, sugerindo que as novas contratações se façam salvaguardando essa desejada flexibilidade de horário.

Também o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) reagiu à notícia do PÚBLICO reclamando por um punição dos prevaricadores e responsáveis. “O SIM espera que as administrações e responsáveis sectoriais que tal permitiram sejam, esses sim. responsabilizados a todos os níveis, que não só disciplinares, e que os potenciais prevaricadores sejam alvo, se esse for o caso, da atenção do Ministério Público”, defendem em comunicado. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Saúde continua a remeter eventuais reacções para mais tarde.

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