Os doentes que somos

Num futuro já presente nas empresas médicas capitalistas, as pessoas que lhes pagam – por muito doentes ou saudáveis que sejam – não são nem doentes nem pacientes: são clientes.

Há uma verdade tão física como metafísica quando os médicos portugueses se referem a quem os consulta, por muito ou pouco saudáveis que sejam, como "doentes".

Só em português é que um médico pode dizer que "tem um doente que é a pessoa mais saudável que já conheceu". A palavra "paciente" é melhor para os estrangeiros e para os psicoterapeutas psicanalistas portugueses.  

Num futuro já presente nas empresas médicas capitalistas, as pessoas que lhes pagam por muito doentes ou saudáveis que sejam não são nem doentes nem pacientes: são clientes. Só no excelente sistema nacional de saúde é que são o que somos: utentes. Está certo. É neutro e verdadeiro. Adicionar "contribuintes" ou "beneficiários" é envenenar o princípio de justiça social com considerações meramente técnicas de contabilidade.

Freud redescobriu que o passo que levava a pessoa a apresentar-se ao psicanalista, admitindo que precisava de ajuda, era não só o primeiro passo, como o passo mais importante para se ajudar a ser ajudado.

Os médicos portugueses têm razão. Não estamos todos doentes: mas somos todos doentes. Dói-nos sermos como somos. Somos, mesmo sem termos uma doença curável ou incurável, incuravelmente dolentes e doentes. As coisas doem-nos mais do que nos adoecem. Mas como distinguir a dor da doença?

Não se pode. Por muito saudáveis que sejamos, seremos sempre os doentes de quem os médicos falam quando falam de nós. É isso que somos ou seremos. Está certo.

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