Ordem culpa “ministros neoliberais” por haver médicos a acumular salários

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O bastonário diz que este é precisamente um problema que as carreiras médicas evitam Foto: Enric Vives-Rubio

Para o bastonário da Ordem dos Médicos não há duvidas: as situações detectadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde de médicos com vínculo ao SNS que são também prestadores de serviço nos locais onde trabalham e de remunerações acima do previsto resultam “da introdução de regras de mercado na saúde, defendidas por ministros neoliberais como Luís Filipe Pereira, Correia de Campos e Paulo Macedo”.

Em declarações ao PÚBLICO a propósito do relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), divulgado nesta terça-feira, o bastonário José Manuel Silva estranha o momento escolhido pela tutela para a divulgação do documento, numa altura em que decorrem negociações entre os sindicatos e o Ministério da Saúde, nas quais dois dos temas são as carreiras médicas e a contratação de médicos em regime de prestação de serviços.

“A Ordem dos Médicos recorda que os médicos fizeram greve em defesa do Serviço Nacional de Saúde, das carreiras médicas e das contratações públicas dos médicos, precisamente para lutar contra estas situações anómalas, embora pouco frequentes, que são consequência da empresarialização dos hospitais e da introdução de regras de mercado na saúde, defendidas por ministros neoliberais”, disse José Manuel Silva, citando o nome dos antigos ministros Luís Filipe Pereira (PSD) e Correia de Campos (PS), bem como do actual ministro Paulo Macedo – deixando de fora o nome de Ana Jorge (PS).

De acordo com o relatório da IGAS, citado pela agência Lusa, a inspecção avaliou o valor/hora da contratação de serviços médicos em regime de prestação de serviços e identificou situações de médicos que acumulam salários. “Foram sinalizadas situações de médicos que têm relação jurídica de emprego no SNS e que simultaneamente acumulam enquanto prestadores de serviço nos seus próprios serviços ou noutros”, refere a IGAS. A inspecção foi desencadeada a pedido do ministro Paulo Macedo.

O despacho que regula esta questão determina que não podem ser contratados clínicos que estejam dispensados do trabalho no serviço de urgência, que acumulem funções públicas ou que prestem trabalho em regime de tempo parcial. Quanto aos valores a pagar, a IGAS detectou mais de 20 entidades que não cumpriam a legislação. O despacho de 2011 do secretário de Estado da Saúde fixa em 25 euros/hora o valor de referência para médicos não especialistas e de 30 euros para especialistas. Há casos em que o valor mensal de pagamentos chega aos 20 mil ou aos 40 mil euros. Ainda assim, o custo total com este tipo de contratos em 2011 baixou 13% em relação a 2010, para cerca de 80 milhões de euros.

O bastonário dos médicos defende, por isso, que o Ministério da Saúde “não se deve admirar com as consequências” dos mecanismos de mercado introduzidos, garantindo que a contratação de médicos em regime de prestação de serviços – o que implica uma empresa intermediária – é sempre mais oneroso que o eventual pagamento de horas extraordinárias aos clínicos. Questionado sobre se os médicos que aceitaram estas situações não cometeram nenhuma ilegalidade, José Manuel Silva respondeu que “se alguém cometeu alguma ilegalidade foram os conselhos de administração dos hospitais que os contrataram, mas que é compreensível pois querem responder às necessidades dos doentes”.

A situação não é, porém, nova. Já em Abril de 2011 a IGAS tinha em mãos 22 casos de médicos em regime de exclusividade para o Serviço Nacional de Saúde mas que ao mesmo tempo trabalhavam em empresas de prestação de serviços pagas pelo Estado. As situações de fraude foram detectadas no âmbito da auditoria pedida pela então ministra da Saúde, Ana Jorge, em 2010. A inspecção visou, por exemplo, identificar casos de médicos aposentados que estivessem a trabalhar para o SNS através de empresas de prestação de serviços – o que é uma prática ilegal. A IGAS detectou valores superiores aos cem euros por hora em alguns casos.

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