Atendimento nos centros de saúde ainda é muito díspar, avalia OCDE

Especialistas consideram que sistema de saúde português “respondeu bem às pressões dos últimos anos”, num contexto de grande contenção da despesa, e traçam um retrato "misto" da qualidade dos cuidados de saúde no país.

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Em meados de Fevereiro duas médicas foram condenadas mas trabalhavam em exclusivo em centros de saúde Foto: DR

A disparidade de atendimento nos centros de saúde portugueses, devido à coexistência de dois modelos de organização, é uma das preocupações realçadas por especialistas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) na revisão sobre a qualidade dos cuidados de saúde feita a pedido do Governo português e que esta quarta-feira é apresentada em Lisboa.

Os peritos da OCDE recomendam que os portugueses sejam todos atendidos da mesma forma nos centros de saúde, ultrapassando-se a actual “disparidade” entre unidades de saúde familiar (USF) e as unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP), que não têm a autonomia funcional e técnica nem os incentivos financeiros das primeiras.

Para que isso seja possível, propõem dois tipos de soluções: ou se estabelece uma data a partir da qual estas últimas unidades são transformadas em USF ou, em alternativa, alargam-se alguns dos incentivos das USF às unidades que ainda funcionam nos moldes antigos.

A recomendação é feita numa altura em que a desaceleração do ritmo de abertura destas unidades criadas em 2005 tem sido muito criticada (nos primeiros quatro meses do ano abriu apenas uma USF em todo o país). Actualmente, cerca de metade da população portuguesa está coberta por USF, unidades criadas voluntariamente por médicos, enfermeiros e administrativos. No balanço mais recente, havia 409 USF em funcionamento, cobrindo cerca de 4,9 milhões de portugueses.

O ministro da Saúde, Paulo Macedo,  já anunciou que quer abrir mais este ano, sem precisar números. Garantindo que vai acolher “o essencial” das recomendações da OCDE, o ministério adianta agora que vai apresentar uma “nova estratégia nacional para a qualidade", sem revelar mais detalhes.

“É necessário assegurar que a qualidade” seja sentida da mesma forma  “por toda a população”, frisam os especialistas da OCDE, enquanto lembram que uma parte substancial dos cidadãos portugueses não tem ainda médico de família. As USF, notam, têm evidenciado vários ganhos em qualidade, exibindo, por exemplo, uma proporção muito maior de diabéticos e de hipertensos controlados.

Num relatório de quase duas centenas de páginas, os peritos desta organização com 34 Estados-membro defendem genericamente que o sistema de saúde  português “respondeu bem às pressões dos últimos anos”, numa altura de grande contenção dos gastos (entre 2008 e 2012, a despesa em saúde “diminuiu 6,7”). Em 2012, os gastos em saúde representavam cerca de 9,5% do PIB, perto da média da OCDE (9,3%), mas Portugal gastava muito menos per capita do que a média dos países da organização, recordam. Ao mesmo tempo, os co-pagamentos em Portugal são relativamente altos, sublinham, lembrando que em 2012 estavam acima da média da OCDE e representavam 32% do total.

Mais enfermeiros
Em síntese, é um retrato “misto” aquele que resulta da revisão da qualidade dos cuidados de saúde prestados em Portugal e que foi solicitada pelo Ministério da Saúde à OCDE. Destacando, pela positiva, os avanços verificados em várias áreas, os peritos não deixam de frisar que persistem muitos desafios, até porque o envelhecimento acelerado da população faz prever uma pressão crescente sobre o sistema de saúde.

Um destes desafios passa pelo envolvimento dos doentes no processo de decisão. “O empowerment do doente ainda está na infância em Portugal”, enfatizam, dando exemplos de países que se encontram numa fase mais avançada deste processo. É o caso de Inglaterra, onde foi criada uma plataforma que permite aos pacientes fazerem comentários, recomendarem ou não os serviços de saúde à família e amigos,  e até darem notas aos profissionais de saúde.

Ao mesmo tempo que sublinham os indicadores que colocam Portugal num patamar acima da média  – as taxas de  internamentos evitáveis por asma, doença pulmonar obstrutiva crónica e diabetes, estão entre as mais baixas dos países da OCDE –, os peritos lembram que continua a ser preocupante a prescrição excessiva de antibióticos de largo espectro (cefalosporinas e quinolonas) e a taxa de infecção nos cuidados de saúde que, em 2012, era quase o dobro da média dos países da OCDE (11% contra 6%).

Ao longo dos últimos anos, desde 1990, Portugal conseguiu também uma das reduções mais marcadas na mortalidade por doença isquémica cardíaca, que é agora a quarta mais baixa entre os países membro da OCDE. Mas, em simultâneo, apresenta uma das piores taxas de cesarianas e de demora nas cirurgias após fracturas da anca. “Estas comparações internacionais são sinais importantes de ineficiências nos processos clínicos”, que implicam mais custos e podem resultar “em mortes adicionais”, acentuam os peritos.

Por isso é que, apesar da “história positiva”, é preciso agora definir prioridades. Exemplos? Transferir cuidados de saúde para serviços na comunidade que assegurem a reabilitação dos doente e rever o sistema de incentivos ligado ao desempenho nos hospitais. A proporção da receita ligada à qualidade clínica poderá ser superior a 5%, propõem.

É necessário igualmente usar a força de trabalho de forma mais efectiva, preconizam. Desde logo, aumentando o número de enfermeiros, que continua muito abaixo da média da OCDE. O rácio enfermeiro-médico era de 1,5 em Portugal contra 2,8 na média dos países da organização em 2012. O facto de cerca de 75% dos enfermeiros trabalharem nos hospitais também é questionado pelos especialistas, que calculam que cerca de 30% da actividade hospitalar podia ser desenvolvida fora destas estruturas mais complexas e caras.

Os sistemas de monitorização merecem igualmente nota positiva. "Portugal tem uma arquitectura de qualidade robusta, ao contrário de outros países da OCDE”, destacam os peritos que se mostram ainda impressionados com a diversidade dos sistemas de informação.

Apesar das melhorias registadas, a proporção de portugueses com 65 ou mais anos que percepciona o seu estado de saúde como bom era, em 2011, a mais baixa de todos os países da OCDE. A este nível estamos pior do que os turcos, os eslovacos, os polacos, os húngaros, entre muitos outros. Nesse ano, só 12% dos idosos portugueses afirmavam ter boa saúde, contra 42,2% na média dos países da OCDE.

Os especialistas  consideram, por outro lado, que várias medidas e iniciativas ambiciosas não foram tão bem sucedidas quanto se pretendia. A quota de medicamentos genéricos está a aumentar, mas continua abaixo da de vários países da OCDE e a duração de muitos internamentos hospitalares é ainda demasiado prolongada. Já as reformas na área dos medicamentos e dos dispositivos médicos “foram particularmente bem sucedidas”. 

Os próximos passos das reformas devem focar-se no alargamento, no aprofundamento e estandardização das iniciativas de qualidade já em curso e também na melhoria da integração de cuidados entre os diversos patamares do SNS, recomendam.

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