O xis do xexé

Não estarmos xexés é um estado de excepção que dura, no máximo, 12 anos, entre os 22 e os 34 anos.

Anteontem, quando voltámos a casa do restaurante onde nunca bebemos vinho, a Maria João, que tem menos 14 anos do que eu, exclamou: "Olha, deixei aluza a cesa da sala".

Rimo-nos muito; ela muito mais do que eu. Ela ainda é nova e os lapsos mentais dela não só fazem sentido como têm uma graça (e prosódia) imediatamente reconhecíveis.

Quando a Maria João fez 35 anos, ofereci-lhe o conselho essencial que o Carlos Quevedo me deu ainda antes de eu chegar a essa vetusta e miserável idade: "A partir dos 35 anos, não é boa ideia perder tempo a amaldiçoarmo-nos por nos esquecermos e nos enganarmos à conta de já não termos as cabecinhas frescas que tínhamos quando éramos novos."

Felizmente começamos a ficar xexés muito cedo. Não estarmos xexés (ao mesmo tempo que não temos a estupidez da infância e a falsa sabedoria da juventude) é um estado de excepção que dura, no máximo, 12 anos, entre os 22 e os 34 anos.

O normal é estarmos xexés. A única consolação é sabermos que já estivemos mais estúpidos (quando éramos bebés) e que vamos ficar ainda mais esquecidos, dementes e tudo o mais que o futuro nos reserva como aperitivo para a morte e para a insensibilidade que a acompanha.

O meu pai morreu a lamentar a memória prodigiosa que tinha, no ano em que apareceu o Google – que ele teria adorado. Ele continua a ser a única pessoa que conheci que seria capaz de compreender o algoritmo inicial de busca.

A sabedoria é só saber coisas como esta.

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