O vizinho do futuro

Um vizinho nosso está sempre na estação seguinte.

Sem sabermos como, chegámos à Primavera. Na peça Krapp's Last Tape, de Samuel Beckett, há um virar de página doloroso que passa de "Farewell to" para "love".

A Primavera é uma loucura colectiva que reúne plantas e animais (humanos ou não) numa festa de instintos, delírios e fatalidades. Foi pouca coisa este Inverno que passámos. Nunca estando satisfeitos, substituímos o queixume do frio e das trevas pelo medo de que as estações do ano estejam a desaparecer.

Um vizinho nosso está sempre na estação seguinte. “Com um Março destes, não dou nada pelo Verão.” O Verão passado, que foi bom e se prolongou até Outubro, levava-o a dizer, todos os dias: “O pior vai ser quando acabar...”

O pior vai ser quando acabar: esta frase faz sempre sentido. Em Krapp’s Last Tape e Eh Joe, as personagens são castigadas por terem pensado, uma vez há muito tempo, que as coisas iriam melhorar.

Se está um dia lindo cheio de sol, o vizinho diz que será sol de pouca dura. Quando cai a noite, imagino-o a cabecear de contentamento: “Eu bem avisei...”

E, no entanto, é impossível extrair o máximo prazer de um momento de alegria se parte da nossa cabecinha está ocupada a lidar com a temporalidade. Basta ouvir (dentro ou fora de nós, tanto faz) a exortação “é aproveitar enquanto dura” para imediatamente se sofrer um decréscimo irritante de prazer. É como viver sabendo que vamos todos morrer. Claro que vamos. Claro que sabemos. O que é que se ganha em lembrarmo-nos disso? Nada.

Sugerir correcção
Comentar