O Verão pendurado

Toda a gente se queixa do tempo. Mesmo aqui em Almoçageme, onde o tempo é aceite como são a idade, a maneira de ser de cada um, o azar e a surpresa da vida – mais a certezinha consoladora da morte –, este Julho não tem passado sem comentário.

Não se protesta: é-se sábio de mais para isso. Mas regista-se. A dona Amália, da Drogaria Madesef do senhor Luís – a melhor, mais simpática, bem apetrechada e honestamente barata drogaria que alguma vez conheci –, tem jeito para a filosofia e para as palavras.

Quando lhe elogiei a falta de pressa – a maneira, seguindo o estilo do senhor Luís, como trata cada pedido de um cliente como se fosse um problema dela, com uma empatia que inspiraria Lévinas –, ela respondeu-me: "Mal de mim se eu tivesse mais pressa do que quem cá vem. A pressa não respeita as pessoas. Nós não fomos feitos para ter pressa. Fomos feitos para estarmos uns com os outros."

Anteontem a Maria João passou pela drogaria, que fica na mesma rua que a nossa casa, logo a seguir à maravilhosa mercearia Eles e Elas, nossa querida vizinha, onde a dona Ana e o marido, Cesaltino, fazem milagres diários, nunca ameaçando ou competindo, no jeito convivial de Almoçageme, com a sempre magnífica Mercearia Dias: a melhor do mundo inteiro.

Disse a dona Amália que este Verão está – e temos – "o Verão pendurado". É verdade. Está pendurado. E nós estamos pendurados nele.

Despendure-se já o Verão de 2014. Por favor. Ou então gozemos o facto de assim ficarmos.

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