O saber não ocupa espaço

Em vez de nos preocuparmos só com Medicina Curativa ou Paliativa há que cuidar da Medicina Preventiva.

Salvo três exceções, em 35 anos de SNS, os ministros da Saúde não tiveram a promoção da saúde e a prevenção das doenças como um tópico principal da sua atuação. A atual equipa do Ministério da Saúde não pensa assim e mudou o modelo, apostando na prevenção ao mesmo tempo que atuou noutros fatores determinantes da sustentabilidade do SNS.

Se mais ainda não foi feito, isso é também devido ao facto de o público não estar devidamente informado – apesar dos esforços dos técnicos e da informação acessível em sítios eletrónicos como o da DGS –, de existirem inúmeras resistências, todas bem entrincheiradas, e de uma parte dos decisores políticos ainda não ter incorporado a importância da diminuição da carga de doença na população, como fator gerador de uma sociedade maioritariamente saudável, condição também decisiva para a economia de Portugal. É errado invocar a “economia” para justificar a persistência de políticas que perpetuam agressões ao bem-estar das pessoas. Sem boa saúde não há boa economia e as desigualdades acentuam-se.

Em tempos de crise, torna-se ainda mais importante investir na prevenção e impedir que reduções orçamentais imponham um desvio maior para as atividades assistenciais. É isso que tem orientado a ação atual do Ministério da Saúde e é isso que também justifica, em vários países europeus, a vontade de criar fontes de receita pública diretamente relacionadas com o tabaco, o álcool, o açúcar, o sal ou as gorduras saturadas, ao mesmo tempo que se pretende refrear o consumo destes produtos com potencial nocivo bem reconhecido.

Foi neste contexto que se anunciaram estudos de avaliação sobre formas de taxar produtos que possam contribuir para o aumento da carga de doença. Qualquer decisão, a ser eventualmente tomada, será baseada numa apreciação sensata e na melhor evidência disponível. Só isso. Foi o que dissemos e repetimos. Contudo, já sabíamos que “apesar de a aplicação de taxas e de as alterações de regulamentos terem custos de implementação baixos, estas medidas têm custos políticos que necessitam de vontade política para serem ultrapassados”, tal como está enfaticamente descrito no relatório australiano, "Assessing Cost-Effectiveness in Prevention", 2010.

Como dizia o Banqueiro Anarquista, “o homem lúcido tem de examinar todas as objeções possíveis e tem de as refutar, antes de se poder dizer seguro da doutrina”. Infelizmente, nos últimos tempos, falou-se e escreveu-se demasiado sobre taxas aplicadas a produtos nocivos para a saúde com a repetição de confusões que só podem resultar de os articulistas e comentadores não estarem na posse de toda a informação, como lhes competiria, sobre o que são taxas sanitárias. A leitura dos Programas Prioritários da DGS, em especial os dedicados ao tabaco e à alimentação, da estratégia para a redução do consumo de sal, bem como das estratégias do SICAD, mostram bem que não desistimos de educar, de intervir na publicidade e de inscrever avisos aos consumidores nas embalagens. Entre tanta imaginação e meias verdades, a maior ficção é julgar que os problemas de saúde pública se resolvem por si próprios, sem intervenção firme e determinada do Estado. Esperamos que aqueles que se manifestaram contra a hipótese de taxar produtos nocivos nos acompanhem nos esforços para mudar regras de publicidade, alargar espaços sem fumo e proteger os adolescentes do álcool. Não se podem demitir de responsablidades.

Portugal tem mais de 30% de fumadores entre os 39 e os 55 anos de idade, um grande número de doenças e mortes relacionadas com o álcool, mais de 30% de crianças e adolescentes obesos ou com excesso de peso, e mais de um milhão de diabéticos adultos, para citar alguns exemplos. Tudo isto pode e deve ser evitado com políticas intersectoriais concertadas e fundamentadas. Nenhuma medida isolada será suficiente. O Governo, no seu todo, é responsável pela saúde da população, independentemente da esfera aparentemente limitada a cada ministro. Voltando ao Banqueiro, “quem se esquiva a travar um combate não é derrotado nele. Mas moralmente é derrotado, porque não se bateu”. É preciso saber ver a longo prazo. Em vez de nos preocuparmos só com Medicina Curativa ou Paliativa há que cuidar da Medicina Preventiva. Sabiamente, o povo diz que “mais vale prevenir que remediar”.

Vários escritos, incluindo um relatório do insuspeito "Crédit Suisse" ("Sugar: Consumption at a Crossroads", 2013), têm defendido a possibilidade da aplicação de taxas sobre produtos com açúcar em excesso. Sobre a política das taxas sanitárias, em geral, será bom ler o relatório do Senado francês (http://www.senat.fr/rap/r13-399/r13-3991.pdf), publicado em Fevereiro de 2014, ou, ainda, "Measuring up the Medical Profession's Prescription for the Nation's Obesity Crisis", da Academy of Medical Royal Colleges do Reino Unido, de 2013, e, também, o "EPHA Briefing Paper on Fiscal Measures Applied to Food Policy", de 2011, editado pela European Public Health Alliance. Há estudos comparativos que demonstram os possíveis benefícios das taxas sobre bebidas artificialmente açucaradas e alimentos com excesso de sal e sabe-se que os efeitos conseguidos dependem do contexto cultural onde as medidas são implementadas.

Temos consciência das dificuldades técnicas e não, não queremos estudar taxas sobre o pudim do abade de Priscos. E não se falou, propositadamente, em hambúrgueres, fast food ou gorduras, porque as questões técnicas e sociais são aparentemente mais complexas, embora não impossíveis de resolver. Mas vale a pena saber que, em Inglaterra, segundo o British Medical Journal, uma queda de 15% no consumo de sal entre 2003 e 2011 foi determinante na queda de 42% de mortes por derrames cerebrais e de 40% no caso dos ataques cardíacos.

A FAO ("Prevalence of Obesity: A Public Health Problem Poorly Understood", 2013) e a OCDE ("Improving lifestyles, Tackling Obesity: The Health and Economic Impact of Prevention Strategies", 2010) discutem abertamente os prós e contras – é verdade, há contras a considerar – taxas sobre alimentos como forma de modelar consumos, sendo certo que a indústria agroalimentar é sempre beneficiada quando se defende o maior consumo de fruta, de sumos naturais ou de saladas temperadas com azeite e limão. Precisamos de discutir os prós e os contras, ponderar soluções, ter a coragem de abordar de frente os problemas, antes de excluirmos liminarmente soluções possíveis, algumas já ensaiadas. Costuma dizer-se que o “saber não ocupa espaço” e aprender compensa sempre. No fundo, como disse Fernando Pessoa, “a política partidária é a arte de dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes”. Não é?

Secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde

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