O que espera estes novos colocados?

Perdeu-se a estratégia, o raciocínio. Vivemos no domínio da supérflua perseguição ao suspeito supérfluo.

Este ano houve menos notícias a insistir que há ensino superior a mais. Há quem possa ter ficado surpreendido com o aumento do número de candidatos, mas isso demonstra o espaço imenso da desinformação.

Os dados oficiais preveem um aumento do número de alunos no ensino secundário até 2018, mas há quem continue a resistir à possibilidade de aumentar o nível de qualificações. Vemos argumentos perigosos, desde “estudar não serve” (algo que nos faz recordar o pior do trabalho infantil), ou o célebre “é tudo mais fácil” (talvez porque considerem que há menos linhas de comboio a decorar). O que é certo destas opiniões é que há um Portugal que incorporou uma resistência a atualizar-se e a fazer parte da Europa contemporânea. Quer continuar só.

Quem desconhece o crescimento no secundário, também deve desconhecer o número de alunos inscritos nas instituições de ensino superior, entre 2010 e 2013, que apenas decresceu neste último ano, quando a crise afetou de forma extrema as famílias. Recorde-se que os candidatos deste ano são os resistentes, aqueles que superaram inúmeras dificuldades. São os que convivem com cadeiras reclinadas e a ideia de que a matemática e o estudar não serve. Há muito para fazer até que estes discursos, comportamentos e realidade socioeconómica permitam um país diferente.

O que espera estes novos colocados? Nas instituições sabem que irão encontrar um corpo docente qualificado, detentor de formações avançadas, muitos enquadrados em redes internacionais de referência. São também muitos dos docentes e investigadores que estão a emigrar, algo normal face às consequências de um setor que, nos últimos anos, viu reduzidas as suas verbas em 31% - em comparação, o esforço no mesmo período de redução da despesa geral do estado apenas diminuiu 9%.

A mais injusta e pérfida ideia, que o MEC tentou passar, é que tal demonstra o tamanho do supérfluo. Os aviões, por falta de manutenção, em pouco tempo aterram. Nas instituições de ensino superior os incidentes parecem menos evidentes. Ninguém parece saber que as faculdades e escolas foram completamente encerradas durante duas semanas. Houve salários que não foram pagos na totalidade por falta de orçamento (e as instituições demonstraram que não confiam no governo). Poucos conhecem a realidade de falta de meios, materiais, bibliografia, que os próprios docentes têm de colmatar. As condições degradaram-se. Aumentaram-se as cargas horárias ao nível do impossível. Reduziu-se a capacidade de investigação. A preparação das aulas parece baseada na ideia de rua de que é desnecessária. Aumentou-se de tal forma a quantidade de trabalho administrativo que hoje, nas instituições, perde-se quase tanto tempo em processos administrativos e tributários, do que o que investe em investigação. Os funcionários, estigmatizados na “função pública”, mesmo quando trabalham no máximo, com remunerações mínimas (com sucessivas reduções), desmultiplicam-se em tarefas e acabam por transpor muitas das mesmas para os docentes. Há quem possa ver racionalização e eficiência (quem sabe mesmo um “salutar convívio” na “partilha do improviso” para fazer face à falta de meios), na prática, há degradação e menos de condições. Perdeu-se a estratégia, o raciocínio. Vivemos no domínio da supérflua perseguição ao suspeito supérfluo.

Já em 1950 se advogava que havia ensino superior a mais. Dizia-se que um país pequeno não tinha condições. É o Portugal que não se imagina moderno. O preço foi alto, impediu a industrialização e o desenvolvimento. Foi assim até uma certa reforma nos inícios dos anos 70. Não era possível industrialização, sem qualificação. Sermos mais qualificados tornou-nos mais competitivos. É que existe mesmo uma diferença entre uma despesa e um investimento.

Vice-presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior

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