O Porto, a Universidade e a mulher de César

O grande desafio é articular aquilo que já existe e tangibilizar essa oferta numa marca diferenciadora que seja promovida internacionalmente~.

1. A Estratégia Europa 2020 estabelece três prioridades de ação: crescimento inteligente, pela via do desenvolvimento de uma economia baseada na inovação; crescimento sustentável, pela promoção de uma economia mais eficiente e ecológica em termos de utilização dos recursos; e crescimento inclusivo, pelo fomento de uma economia com níveis elevados de emprego que assegure a coesão social e territorial. A fixação para 2020 de uma meta de 3% do PIB da União Europeia em investimento em I&D é representativa da forte aposta na primeira daquelas prioridades.

Quando se fala em inovação vêm-nos geralmente à memória o nome de grandes empresas como a Apple ou a Google. Mas também de clusters como o de Silicon Valley ou os que existem em torno de cidades como Boston, Berlim, Londres e Estocolmo. Esta vertente espacial está cada vez mais na agenda das políticas de desenvolvimento económico pois territórios inovadores não se limitam a ser simples lugares onde se localizam empresas inovadoras. São, na realidade, ecossistemas potenciadores de negócios altamente competitivos que conjugam atores económicos com players científicos, como universidades, centros de investigação e parques tecnológicos. Tudo isto a par de agentes públicos particularmente dinâmicos no apoio à criação de start-ups.

A questão que se pode, portanto, colocar é a seguinte: o que fazer para criar um ecossistema gerador de conhecimento e, consequentemente, de projetos empresariais competitivos de forma sustentável e global?

2. Não cabe neste artigo a resolução do problema do País nem tão-pouco de uma cidade – até porque nesta matéria não há receitas. Mas procurarei responder àquela questão centrando-me no papel que tem vindo a ser desempenhado nesse domínio pela entidade que me paga o salário todos os meses: a Universidade do Porto.

Antes de mais, uma breve caracterização. Trata-se de uma instituição de ensino superior constituída por catorze faculdades e uma business school que, cobrindo praticamente todas as áreas do conhecimento, acolhe cerca de 30 mil estudantes. Apenas para comparação, esclareço que universidades como as de Oxford ou de Cambridge são mais pequenas em termos do número de alunos. Para além de ser uma instituição de ensino onde se ministram mais de 600 cursos, a U.Porto desenvolve intensa atividade de investigação, sendo responsável por 23% dos artigos científicos produzidos em Portugal.

Neste contexto, a criação de valor com base no conhecimento gerado é considerada, não apenas uma oportunidade, mas uma obrigação. Por outras palavras, só cumpriremos a nossa missão se, a par das atividades de ensino e de investigação, contribuirmos proactivamente e de forma decisiva para a valorização económica e social do conhecimento.

Para isso a U.Porto, à semelhança do que se faz nas universidades mais dinâmicas, transfere conhecimento para o tecido empresarial com base em três meios: proteção e comercialização de propriedade intelectual, promoção de spin-offs e start-ups oriundas do meio científico e realização de projetos conjuntos com atores económicos bem como prestação de serviços de valor acrescentado. Sem querer entrar em detalhes, os resultados são francamente positivos, destacando-se aqui o papel decisivo da UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia, da U.Porto Inovação e dos institutos de interface e dezenas de centros de investigação.

3. E a cidade do Porto? Para além da universidade que tem o seu nome, conta com outros importantes atores do meio científico e tecnológico inseridos numa região com forte tradição empreendedora. Estamos perante um território que nos últimos anos tem demonstrado uma capacidade de inovação comparável à de cidades de dimensão bem maior. Basta dizer que um estudo realizado há poucos anos concluiu que o campus da Asprela é das zonas de maior concentração de conhecimento a nível europeu.

Portanto, e em suma, temos “produto”. Mas será que temos imagem e reputação condizente com a realidade? É aqui que entra a mulher de César, a quem não bastava ser honesta, pois tinha também de parecer honesta. De igual forma, não basta que a cidade do Porto seja inovadora e empreendedora – tem de parecer! E não há dúvida de que muito se tem feito. A autarquia, as associações empresariais como a ANJE e o meio científico e tecnológico (no qual a U.Porto assume uma posição de destaque) estão a demonstrar um dinamismo em termos de promoção que dificilmente se poderia imaginar há alguns anos. Eventos como o Scale Up for Europe e o StartUP Fest, recentemente realizados, ou a grande conferência da ISPIM (uma das mais importantes sociedades de gestão da inovação a nível mundial) que se vai realizar na segunda quinzena de Junho, demonstram essa capacidade empreendedora da cidade e da região não só no lançamento de projetos inovadores mas também da sua promoção.

Mas falta a “cereja em cima do bolo”. É preciso que no campo da inovação a cidade não só tenha uma notoriedade top of mind como também uma imagem geradora de um posicionamento diferenciado. Isto é, que não seja mais uma “Berlim” ou uma “Londres” – isto sem desprestígio para essas duas fantásticas capitais. É preciso que o Porto se constitua como um ecossistema distinto e atrativo: distinto dos que já existem, pois se não o for está a mais, e atrativo quer para os nossos empreendedores quer ainda para os que de fora cá pretendem investir.

Numa linguagem de marketing, há que trabalhar a marca Porto posicionando-a no mercado como cidade da inovação. Para isso há que gerir não só a forma como se promove e comunica mas, principalmente, a eficácia funcional do ecossistema e a relação emocional que estabelece com os players nele inseridos. Notoriedade, imagem e envolvimento (funcional e emocional) devem ser os pilares da gestão da marca da cidade. Mas isso só se consegue com a participação dos principais stakeholders, alinhando as suas estratégias com esse objetivo coletivo.

Tenho visto do que de melhor se faz por esse mundo fora em termos de promoção de cidades inovadoras. Posso afirmar que no Porto existem praticamente todos as competências e recursos necessários. O grande desafio não é tanto criar mais recursos e desenvolver novas competências, embora reconheça que alguma coisa ainda vai ter de ser construída. O grande desafio é articular aquilo que já existe e tangibilizar essa oferta numa marca diferenciadora que seja promovida internacionalmente de forma consistente pelos principais players. Se o fizermos, daremos um passo significativo no sentido da alteração do padrão de especialização e da criação de emprego altamente qualificado.

Pró-Reitor da Universidade do Porto

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