O plano C

O significado do C neste título fica à vontade do freguês. Pode ser C de Colorado. C de cannabis. Ou simplesmente C de charro. O que interessa é que seja também um C de conversa, porque é uma pena que neste país tão moderno, durante tanto tempo tão fracturante e hoje em dia tão desesperado por receitas, não se discuta seriamente a legalização da cannabis – não do seu consumo, mas da sua venda regulada –, numa altura em que o tema está na ordem do dia em vários países.

Há cerca de um mês, o Uruguai tornou-se o primeiro país a aprovar o cultivo comercial, produção e venda de cannabis, por iniciativa do presidente José Mujica (um daqueles políticos que só poderiam surgir na América Latina, mas em bom). Ao mesmo tempo, nos estados americanos do Colorado e Washington, as primeiras lojas dedicadas à venda de marijuana abriram ao público no passado dia 1, com grande estrondo internacional.

E nós por cá? Bom, nós por cá continuamos com o consumo descriminalizado e com umas iniciativas esporádicas do Bloco de Esquerda, a última das quais – um projecto de lei que passava pela legalização e pela criação de “clubes sociais” – foi chumbada em Maio de 2013, no meio de praticamente nenhum debate público. A ideia dos “clubes sociais” – formados por cidadãos maiores de 18 anos que se declarassem consumidores de cannabis e que teriam de pagar uma quota para adquirir droga produzida em exclusivo para consumo dos associados – parece-me uma espécie de maçonaria do charro, coisa meio absurda e bastante complexa, que ainda por cima foge a uma questão que deveria estar em cima da mesa: o impacto económico da legalização da cannabis e as receitas que ela poderia gerar a favor do Estado.

Sim, eu sei que a primeira linha de debate não deve ser económica, mas sim política e social. Mas em termos políticos eu sou um liberal, e por isso entendo que o Estado não tem de estar a enfiar o nariz no consumo de drogas leves. O que cada um faz com o seu corpo diz respeito apenas a si próprio, desde que o impacto na saúde e na segurança públicas não ultrapasse determinados limites. E se esses limites, como tantos defendem, são inferiores ao impacto do consumo do álcool e do tabaco, então não faz sentido proibir a cannabis – que, em média, já foi consumida por cerca de um terço da população dos países ocidentais – só porque historicamente ela chegou atrasada à mesa da legalização.

Mais: numa altura em que se anda a extorquir reformados para lhes sacar cerca de 300 milhões de euros, a legalização da cannabis, só na Holanda, dá origem a receitas directas de cerca de 400 milhões de euros, via impostos aplicados às coffee-shops. Outros estudos indicam que uma calibragem (para usar uma expressão cara ao Governo) da actual legislação poderia permitir que esse valor ascendesse até aos 850 milhões de euros anuais. Os valores estimados de receitas para o Colorado, um estado com cerca de metade da população portuguesa, estão em linha com estas previsões, sobretudo se for aplicado ao consumo da cannabis uma carga fiscal próxima da do tabaco (cerca de 80%). Não se trata aqui, como é óbvio, de convencer o pensionista mais conservador a trocar a legalização do charro pela manutenção da sua reforma. Mas numa altura em que tanto se fala em repensar as funções do Estado e as suas fontes de financiamento, a legalização da cannabis deveria estar em cima da mesa, de modo a ser discutida com seriedade e sem preconceitos.

Jornalista
 
 
 

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