O não-debate sobre a lei dos abusadores

Falhou a ministra, a oposição e o Parlamento, que tratou o tema com chocante superficialidade.

A ideia de criar registos de agressores sexuais de menores já condenados divide pessoas igualmente sensatas e inteligentes, de esquerda e de direita, há muitos anos e em todos os países nas quais foi discutida ou posta em prática.

Em Portugal, depois de semanas de debate público, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi finalmente à Assembleia da República apresentar a sua proposta de lei que, de entre várias ideias para reforçar a prevenção destes crimes – como aumentar penas e actualizar a legislação à era digital –, inclui a criação de um registo, a chamada “lista de pedófilos condenados”.

Perante um tema tão complexo, o que fez o Parlamento? Tratou a questão com chocante superficialidade. Este é um assunto fracturante, pungente e delicado, é uma ideia que não pode ser analisada apenas à luz da grelha clássica do preto e branco, do certo e errado. Uma proposta de lei como esta, cujo conceito é uma realidade em vários países há muitos anos, com variantes mais ou menos radicais, exige um debate profundo. A ponderação entre os direitos das crianças e os direitos dos pedófilos condenados não pode resumir-se a argumentações que seguem a lógica do “é inconstitucional e pronto”.

O debate durou menos de uma hora. Quando parecia estar no princípio, já Assunção Esteves anunciava o tema seguinte da ordem de trabalhos. Os deputados não passaram do aquecimento. A ministra limitou-se a apresentar as linhas mestras do seu projecto. Falhou ao não dar respostas a algumas das questões que têm sido levantadas, como a de se saber o que é um “receio fundado” que justifica a deslocação a uma esquadra ou o que se faz se o suspeito for desconhecido. Não reservou sequer tempo para rebater os argumentos dos deputados. A oposição usou o tempo para dizer que é inconstitucional, questionar cortes do governo e criticar o aumento do número de menores em risco de pobreza. Falhou também porque, sendo isso verdade e grave, o debate era sobre uma ideia complexa e polémica e não sobre os efeitos da austeridade. Falhou, portanto, o parlamento, que não ajudou nada nem ninguém a pensar ou a formar uma opinião.

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