O jeito do jeito

Gosto de palavras que só nós portugueses usamos e compreendemos, intraduzíveis. Uma das melhores é jeito, no sentido de dar um jeito, no campo específico duma distorsão corporal.

"Jeito" não quer dizer nada para quem não seja português. Mas nós, portugueses, sabemos exactamente o que é dar um jeito. Não é uma entorse. Não é um traumatismo. É um jeito. É ter sujeitado o nosso corpo a uma violência para a qual não foi concebido para suportar.

É um jeito que deixa uma dor. Ontem, durante o almoço, começou a doer-me o pé e tanto a Maria João como eu diagnosticámos logo que eu tinha dado um jeito.

Submeti-me à inspecção do excelente Dr. Ivo dos Reis, que descobriu que era a minha velha antagonista, a gota. Aproveitei para lhe perguntar se os médicos também falavam em jeitos. "Claro que sim", respondeu e, exemplificando brilhantemente, acrescentou: "Aliás, essa dor e esse inchaço podem ser o resultado de algum jeito que deu."

Quis logo saber se podíamos dar um jeito sem darmos por isso e ele respondeu que sim, que era perfeitamente possível.

Se um médico com o vocabulário e a sabedoria médica do Dr. Ivo dos Reis reconhece a utilidade da palavra jeito, é caso para pensar em exportá-la. Em inglês, por exemplo, faz falta. Se nos dói qualquer coisa, a língua obriga-nos a sermos específicos: "I must have sprained something."

Dar um jeito mantém o mistério necessário. É humilde. É abstracto. Respeita a vulnerabilidade dos nossos caparros. É maravilhoso.
 
 
 

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