O Estado e a mãe do João e da Joana

Proteger o interesse das crianças não é uma tarefa fácil e evidente...

O João e a Joana, nascidos, respectivamente, em Maio de 2003 e Novembro de 2004, são os filhos da Teresa e do Carlos. Embora só tenham dez e nove anos, já viveram muito: o pai era alcoólico e morreu há três anos, e a mãe, que tem um ligeiro atraso mental, viveu uma vida de prostituição e, actualmente, vive da agricultura em difíceis condições económicas.

A vida do João e da Joana não tem sido fácil: estiveram ininterruptamente acolhidos num centro de acolhimento temporário (CAT), desde Maio de 2008 até Agosto de 2013, altura em que foram transferidos para outro instituto de acolhimento. A sua permanência nestas instituições resultou de os tribunais considerarem que os progenitores não tinham condições para ter os menores consigo. Nem por isso o João e a Joana deixaram de conviver, ainda que de forma limitada, com a mãe.

Em Outubro de 2010, o tribunal decidiu aplicar aos dois menores a medida de acolhimento no CAT pelo período de mais 12 meses, facultando à Teresa a possibilidade de os visitar livremente nessa instituição, tendo igualmente estabelecido que a mãe passaria com os menores, na sua casa, os períodos de sexta-feira à tarde até ao domingo à tarde, de 14 em 14 dias, e as férias de Natal, Páscoa e Verão. E tudo a mãe cumpriu, até que, em Abril de 2011, o tribunal se decidiu pela cessação de tais visitas, passando a mãe a só poder visitar os menores dentro do CAT. Parece que o João e a Joana, quando voltavam de casa da mãe, se comportavam de forma agressiva e se mostravam revoltados com a sua institucionalização...

A Teresa pediu ao tribunal que os menores passassem com ela o Natal de 2011, a Páscoa de 2012, as férias de Verão de 2012, o Natal de 2012 e a Páscoa de 2013, mas todos os pedidos foram indeferidos, pelo que a Teresa continuou a visitá-los no CAT semanalmente, e a partir de Janeiro de 2012, quinzenalmente. Até que o Ministério Público propôs ao tribunal que as crianças fossem entregues para adopção, com o que a Teresa discordou desde o primeiro momento, pedindo que as crianças lhe fossem entregues.

Em Junho do corrente ano, foi proferida uma sentença que determinou que fosse aplicada ao João e à Joana a medida de confiança à instituição com vista a futura adopção. O tribunal nomeou uma curadora provisória dos menores e decidiu que a partir dessa data a Teresa não podia voltar a estar com o João e a Joana.

Recorreu a Teresa e recorreu o advogado nomeado para defender os interesses dos filhos menores. Ambos queriam que, apesar das dificuldades da Teresa, económicas e outras, os filhos lhe fossem confiados.

A situação que se deparou aos juízes desembargadores Pedro Lima da Costa, José Manuel de Araújo Barros e Pedro Martins não era de fácil resolução, já que o processo continha afirmações contraditórias. Embora houvesse um ligeiro atraso mental da Teresa, o mesmo, por si só, não constituía “impedimento para exercer a actividade parental”, sendo certo que a sua capacidade de exercício do papel de mãe “estava muito dificultada por estar sozinha, necessitando de ajuda próxima”, para não falhar em situações que são necessárias para um bom desenvolvimento das crianças.

Por outro lado, afirmava-se no processo que a Teresa nunca se mostrara genuinamente motivada para cuidar dos seus filhos, e aceitava que estes se mantivessem no CAT, o que permitia que os visitasse, sem nunca assumir o seu papel de adulta e cuidadora dos filhos. Também se dizia que a mãe era “manipuladora”, não revelando “capacidade para auto-avaliação e para encetar mudanças, não reconhecendo as necessidades dos filhos”.

No entanto, para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), a Teresa estava, desde a decisão de Abril de 2011, presa numa tenaz que, a um tempo, não consolidava a relação dela com os menores, e que, a outro tempo, estabelecia um relacionamento distorcido, quando comparado com o relacionamento normal que os pais têm com os filhos menores. Só podia estar com os filhos no CAT e com a presença de um técnico. E tal facto não podia converter-se num argumento para afirmar que não era uma boa mãe. O TRP lembrou que a mãe tinha lutado “sem falha e com absoluto denodo” pela entrega dos menores, sendo certo que os relatórios pedopsiquiátricos indicavam que os menores tinham laços de afectividade com a mãe e a reconheciam como tal.

E, no dia 31 de Outubro, o TRP decidiu-se pela entrega do João e da Joana à mãe com um único fundamento: a lei só permite ao Estado retirar os filhos aos pais nos casos em que existe “perigo grave para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento” dos menores. O que, segundo o TRP, não era o caso.

Uma decisão que aposta na capacidade regeneradora das relações familiares face à burocracia estatal. Como é evidente, os resultados não são seguros mas a vida do João e da Joana será sempre arriscada.

Advogado. ftmota@netcabo.pt
 
 
 

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