O ensino superior viaja num comboio-bala

Um estudo feito há muitos anos numa universidade americana que estava à procura da “equipa perfeita” numa organização – qualquer organização – resultou numa fórmula que definia percentagens para veteranos e jovens e, dentro destes, conhecedores da organização e recém-chegados.

Não era preciso essa pesquisa, mas ajuda, para sabermos que as universidades e os politécnicos portugueses têm hoje a fórmula errada: deixaram de contratar professores jovens e os seus quadros estão a ficar velhos. Pelo menos desde 2002 que há restrições orçamentais no ensino superior. O que é que muitas universidades fizeram? Os professores foram-se reformando e não foram substituídos. O envelhecimento do corpo docente do ensino superior é hoje um dos mais graves problemas de Portugal. Quarenta por cento têm mais de 50 anos. Há uma década, esta faixa etária representava 25%.

Os efeitos nocivos são inúmeros. Perdem-se coisas mensuráveis e coisas mais difíceis de definir, como a cultura da organização. Perdem-se áreas de especialização e aumenta-se o número de alunos por turma. Que tipo de ensino se oferece numa sala com 400 alunos? Ou num laboratório com 100? Como é óbvio, nunca chegaremos a esse ponto simplesmente porque os alunos não caberiam nos laboratórios. Mas os anfiteatros são por regra grandes, feitos a pensar em conferências e cerimónias. Hoje, já temos aulas com 200 alunos. Porque não enchê-los até ao tecto? O preço a pagar é óbvio. Se hoje nessas grandes turmas as aulas são dadas com microfones e a relação professor-aluno é muitíssimo superficial, senão nula, é só imaginar isso em pior. Há um vazio no meio. Com o aumento de doutoramentos nos últimos anos entraram jovens professores e, no fim da pirâmide, temos os professores com mais de 50 anos. O meio, docentes entre os 30 e os 49 anos, são 58%. Dir-se-ia que o meio está composto. Mas os jovens abaixo dos 30 anos são apenas 4%. É fácil perceber o que vai acontecer. Saem os velhos, os do meio envelhecem e não há novos em número suficiente. Podem as universidades começar do zero?

Aos 50 ou 60 anos, um professor estará no ponto máximo da sua produção intelectual. Mas muitas vezes são os mais novos que dominam os campos científicos, que fizeram estudos de ponta, que exploraram ideias novas, que, por fazerem parte da “geração Erasmus”, estudaram em universidades estrangeiras, que foram expostos a um cruzamento de saberes que não vai ser canalizado para a própria universidade. A decapitação a que estamos a assistir reduz também a capacidade de produção de investigação. Há em Portugal institutos públicos cujo investigador mais novo tem 50 anos. O saber vai perder-se. Num ápice esse investigador terá 60 anos e um dia vai reformar-se. Perdem-se aprendizagens de equipa, perdem-se contactos nacionais e internacionais, desaparece a cadeia natural de transmissão de saber. É absolutamente crucial inverter a marcha deste comboio. Há uma certeza. Se nada mudar, o comboio vai transformar-se num comboio-bala.

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